Inspirado por uma fotografia tirada dos confins do Sistema Solar pela sonda Voyager-1, o saudoso astrônomo Carl Sagan apelidou nosso pequeno cantinho do Universo de “pálido ponto azul”. Mas se a foto tivesse sido tirada 3 bilhões de anos antes, provavelmente seria o “pálido ponto púrpura”. Ao menos segundo um grupo espanhol de cientistas.
Enric Pallé e seus colegas do Instituto de Astrofísica das Canárias apontam que, hoje, a maioria das bactérias e plantas que fazem fotossíntese usam a clorofila para realizar a façanha, e por isso são verdes, mas, no passado, a forma de vida predominante era a das bactérias púrpuras.
“Elas são microrganismos fotossintetizantes e podem habitar tanto ambientes aquáticos como terrestres”, destacam Pallé e seus colegas, em artigo aceito para publicação no “Astrophysical Journal”. Em vez de clorofila, elas usam uma substância chamada retinal para transformar luz em energia para seu metabolismo. Água também não faz parte do menu. Em vez disso, o processo exige ácido sulfídrico (H2S) e gera enxofre, em vez de oxigênio.
Com essa química diferentona, elas perdem o verde característico das plantinhas e ganham uma cor roxeada. Agora imagine essas bactérias disseminadas por todo o globo terrestre, inclusive os oceanos. O planeta inteiro deve ter ganho aí uns 50 tons de púrpura.
PASSADO E PRESENTE
Quanto disso seria perceptível numa análise da assinatura de luz proveniente do nosso planeta, coletada do espaço? Essa é a pergunta crucial do novo trabalho da equipe espanhola, que Pallé apresentou durante a conferência de astrobiologia promovida pelo Vaticano, em março. Os pesquisadores fizeram diversas simulações da ocupação das bactérias púrpuras no que seria uma versão da Terra durante o éon Arqueano, entre 3,85 bilhões e 2,5 bilhões de anos atrás.
Nessa época a vida dava seus primeiros passos em nosso planeta. Há 3 bilhões de anos, o Sol brilhava com 80% da intensidade atual, e a Terra tinha mais oceano e menos continente do que hoje. A fotossíntese por clorofila ainda não era uma coisa popular, praticamente não havia oxigênio na atmosfera, e o nosso mundo só abrigava criaturas unicelulares. Era então uma biosfera muito menos vibrante do que a de nossos tempos.
Ainda assim, nosso mundo já estava claramente “vivo”. Ele já era exatamente o tipo de coisa que agora estamos querendo encontrar ao redor de outras estrelas. Daí a preocupação de Pallé e cia. Será que poderíamos identificar um planeta similar à “Terra Púrpura” de 3 bilhões de anos atrás analisando a luz de astros que estão a vários anos-luz de distância?
A pesquisa espanhola indica que sim. Mesmo que o mundo a ser pesquisado não esteja completamente coberto por bactérias púrpuras, sinais de sua existência seriam captados em meio à luz sutil emanada de lá.
Claro, ainda não temos tecnologia para observar diretamente — e em detalhes — o espectro luminoso de planetas distantes similares ao nosso. Esse é um trabalho que será desenvolvido agressivamente nas próximas décadas, conforme passamos da fase da descoberta de planetas habitáveis para a de sua caracterização. Contudo, estudos como o de Pallé nos lembram que já temos diversas biosferas “alienígenas” para estudar — agora mesmo. Onde estão elas? Basta olhar para o passado da Terra.
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