quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Agrotóxicos proibidos continuam em uso nas lavouras brasileiras

 Localizado no coração da América do Sul, o Pantanal Mato-grossense é visto como uma região peculiar não só pelas suas belezas naturais como também pelo papel que desempenha na conservação da biodiversidade. Reconhecido como Reserva da Biosfera em 2000, a maior planície alagada do mundo começa a emitir sinais preocupantes. Pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso e da Embrapa Pantanal detectaram resíduos de pesticidas, ainda que em pequena quantidade, no leito de rios, córregos, fundo de cachoeiras e lagoas no curso das águas, desde nascentes no Mato Grosso até o Pantanal Mato-grossence.Reconhecido como celeiro do mundo, terra onde se plantando, tudo dá, o Brasil vem travando uma guerra surda contra o uso indiscriminado de agrotóxico nas lavouras. Maior produtor de grãos do país, o Mato Grosso se tornou epicentro do conflito entre a produção em larga escala e o uso cada vez maior de venenos para conter as pragas. O estado lidera o consumo nacional de pesticidas. Absorve 18,9% do total usado no Brasil — país líder mundial no uso de agrotóxicos. Em 2011, o faturamento das fabricantes alcançou R$ 8,488 bilhões.
Na safra 2010/2011, as lavouras nacionais usaram 936 mil toneladas de agrotóxicos. Foram 12 litros de veneno por hectare de soja, 23 litros por hectare de cítricos, 28 litros por hectare de algodão, 6 litros por hectare de milho. O problema é que, assim como elimina lagartas e pulgões, os venenos ameaçam a saúde humana. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem tentando desde 2008 normatizar o uso de agrotóxico no país: 14 produtos foram colocados em processo de revisão. Outros cinco foram colocados na lista suja e tirados de circulação. Só que a ordem nem sempre é cumprida à risca, deixando rastros pelo caminho.
Um dos produtos proibidos é o metamidofós, que foi criado para combater pragas em lavouras de algodão, soja, feijão, tomate, batata e amendoim. O produto elimina cigarrinha verde do feijão, percevejo da soja e broca de tomate. Mas também afeta os sistemas nervoso, imunológico, reprodutor e endócrino, além de prejudicar o desenvolvimento de embriões e fetos. Seu uso é vetado na União Europeia, China, Indonésia, Costa do Marfim, Japão e Paquistão. No Brasil, a Anvisa deu prazo até junho passado para que deixasse de ser usado nas lavouras. 
— Veneno, como o próprio nome diz, é feito para matar. A linha entre matar a erva daninha e a saúde das pessoas é tênue. O crescimento do uso de agrotóxico é muito maior do que imaginávamos e o país não pode abrir mão do direito de restringir o uso ou banir — afirma José Agenor Álvares, diretor de controle e monitoramento sanitário da Anvisa.
O uso indiscriminado de agrotóxicos já preocupa o Ministério da Agricultura, que tem buscado incentivar o uso de feromônios e produtos biológicos. Os produtos menos agressivos à saúde humana, porém, ainda são pouco diante do tamanho do mercado. Há no país 1.537 marcas de produtos químicos tradicionais e apenas 72 desta nova safra de defensivos biológicos.
— O Brasil é a única potência agrícola tropical do mundo. Consome muito agrotóxico porque aqui não há entressafra e as culturas podem ser plantadas o ano todo ou intercaladas. As pragas têm comida o ano inteiro e todo ano aparece uma nova ou reaparece uma que já havia sido combatida em safras anteriores — explica Luís Eduardo Rangel, do Ministério da Agricultura.
Segundo dados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), dos 50 produtos mais usados nas lavouras do país 22 já são proibidos nos países da União Europeia. O próximo a sair do mercado por aqui, em julho de 2013, será o endossulfam, que tem sua venda proibida em 62 países.
— Vendemos remédio para plantas. O produtor cuida delas como cuida de um filho. Para infelicidade do país, a ferrugem asiática atingiu a soja e faturamos só com fungicida da soja R$ 1,3 bilhão — diz Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), que reúne os fabricantes do setor.
Nos últimos 20 anos, o Brasil aumentou em 37% a área cultivada e a produção cresceu 181%. Só de grãos, são 52 milhões de hectares. A alta rentabilidade dos agrotóxicos criou um mercado paralelo. A Polícia Federal de Rondonópolis (MT) detectou que traficantes de drogas migraram para o contrabando de venenos, crime rentável e com pena mais branda. Em março, 21 pessoas foram presas por contrabando e falsificação de agrotóxicos em três estados. A operação foi batizada de São Lourenço, numa referência à contaminação do rio que atravessa 25 municípios da região.

Veneno no campo
Na água, os resíduos de agrotóxicos se espalham. Na nascente do Rio São Lourenço, que brota em meio a pés de algodão numa propriedade particular no município de Campo Verde (MT), a 130 quilômetros de Cuiabá, pesquisadores da Embrapa Pantanal e da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) coletaram resíduos de agrotóxicos em águas superficiais e no sedimento. Em torno da nascente, que deságua no Rio Cuiabá, cuja foz é o Rio Paraguai, na Bacia do Prata, há pouca vegetação, o que a deixa quase desprotegida. Outro rio contaminado é o Rio Casca, no limite entre Campo Verde e o município de Chapada dos Guimarães, onde está o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães.
Não há pesquisas nas águas dentro do parque, mas um relatório sobre a situação da Cachoeira da Martinha, que fica no Rio da Casca e é um dos pontos turísticos do município, feito a pedido da Promotoria de Justiça de Chapada dos Guimarães, informa contaminação por agrotóxicos e relatos de coceira na pele de banhistas. No curso das águas, os resíduos estão presentes em nascentes do Mato Grosso até a Bacia do Rio Miranda, que fica no Mato Grosso do Sul.
— Coletamos amostras no sedimento dos rios que formam o Pantanal, do planalto à planície. Não achamos concentrações elevadas, mas contaminação contínua, que afeta de forma crônica o meio ambiente, ameaça os peixes e os organismos dos quais eles se alimentam — afirma Débora Calheiros, pesquisadora em ecologia de rios da Embrapa Pantanal e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
Em Campo Verde, agrotóxicos foram encontrados nas águas da chuva, poços, rios e córregos. Até ser proibido, o metamidofós era o terceiro pesticida mais usado. Estudos do Departamento de Saúde Coletiva da UFMT, em parceria com pesquisadores da Fiocruz, indicam que sete em cada dez poços de água do município apresentam resíduos de agrotóxicos. Em 16 amostras de água de córregos e rios coletadas em quatro pontos foram achados resíduos dos venenos atrazina e endossulfam. Na água da chuva foram identificados marcas de oito agrotóxicos diferentes.
Se a água está doente, vamos ficar doentes. Se a água está contaminada, vai contaminar alimentos — resume o professor Wanderley Pignati, do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, autor e orientador de algumas pesquisas na área.
Os estudos levaram o promotor Marcelo dos Santos Alves Corrêa, do Ministério Público do Mato Grosso, a negociar com produtores e com a prefeitura de Campo Verde um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para disciplinar o uso dos pesticidas. Só o algodão, que ocupa boa parte dos 350 mil hectares plantados no município, necessita de 19 aplicações de veneno nos 180 dias de plantio.
— Acham que sou um Dom Quixote querendo acabar com a economia do município — diz Corrêa, que vai ingressar com ação civil pública para ver cumprido o acordo.
O prefeito de Campo Verde, admite a existência de resíduos de agrotóxicos nas águas, mas argumenta, que eles estão dentro dos limites previstos na legislação brasileira e só são alarmantes se comparados aos dados da União Europeia.
— É preciso uma transição entre a lei e o cumprimento perfeito dela. Se for duro, as empresas quebram.
Segundo a Andef, o Brasil não tem legislação específica para a presença de agroquímicos nas águas!!!

 

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