quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A Costa Leste dos EUA e Norfolk estão afundando

A Costa Leste dos EUA e Norfolk estão afundando


A pequena cabana branca à beira da água em Lower Manhattan é discreta – tanto que os turistas passeando pelo Battery Park recentemente nem colocaram os olhos nela uma segunda vez.
De perto, porém, o telhado da cabana atrás de um prédio da Guarda Costeira surge cheio de antenas e outros equipamentos. Embora não muito maior do que um armário, essa instalação vem ajudando cientistas a entender um dos grandes mistérios ambientais de nossa era.
O equipamento no interior está conectado e sondas na água que rastreiam o fluxo e o refluxo das marés no porto de Nova York, e suas leituras são enviadas a um satélite a cada seis minutos.
Embora o equipamento atual seja avançado, algum tipo de leitor de maré opera no Battery Park desde a década de 1850, sob um gabinete do governo fundado por Thomas Jefferson. Esse antigo registro de dados tornou-se inestimável para cientistas lutando com a seguinte questão: quanto o oceano já subiu de nível, e quanto ainda deve subir?
Cientistas passaram décadas examinando todos os fatores que podem influenciar o aumento dos mares, e sua pesquisa está finalmente levando a respostas; e quanto mais descobrem, mais os cientistas percebem um enorme risco para os Estados Unidos.
Grande parte da população e economia do país está concentrada na Costa Leste, e cada vez mais evidências científicas sugerem que essa região será um ponto ativo global para o aumento do nível do mar no próximo século O trabalho de detecção exigiu que os cientistas estudassem a influência das placas de gelo da antiguidade, o significado de ilhas que estão afundando em Chesapeake Bay, e até mesmo o efeito de um meteoro gigante que caiu na Terra.
O trabalho começa com as marés. Devido a sua importância para a navegação, elas vêm sendo mensuradas há quase dois séculos. Embora o registro não seja perfeito, segundo cientistas, ele não deixa dúvidas de que os oceanos do mundo estão subindo. O melhor cálculo sugere que, de 1880 a 2009, o nível médio global do oceano subiu pouco mais de 20 centímetros.
Pode não parecer muito, mas cientistas dizem que mesmo os menores aumentos fazem a água do mar atingir o litoral com mais agressividade em clima ameno, levando a picos de marés mais altas durante tempestades. O aumento do nível do mar nas últimas décadas explica, assim, por que as cidades costeiras de praticamente qualquer lugar vêm gastando bilhões de dólares no combate à erosão.
As evidências sugerem que o aumento do nível do mar provavelmente se acelerou para cerca de 30 centímetros por século, e cientistas dizem que ele deve se acelerar ainda mais com a contínua emissão de gases estufa na atmosfera. Os gases aquecem o planeta e fazem o gelo terrestre derreter e se juntar ao mar.
A posição oficial dos climatologistas no mundo todo é que o nível do mar em termos globais poderá aumentar 90 centímetros até o final deste século, caso as emissões continuem no ritmo atual. Todavia, algumas evidências científicas apontam números ainda maiores, 150 centímetros ou até em casos extremos.
Cientistas afirmam que a Costa Leste dos EUA será atingida mais duramente por muitas razões. Uma das mais importantes, contudo, é que a terra nesta parte do mundo está afundando. E isso remonta à última Era do Gelo, que atingiu seu ápice há 20 mil anos.
Conforme uma enorme placa de gelo, com mais de 1,5 quilômetro de espessura, se formou sobre o que hoje é o Canadá e a região norte dos Estados Unidos, o peso dela pressionou a crosta terrestre. Por sua vez áreas distantes da placa de gelo se projetaram para cima, como se alguém tivesse pisando em uma ponta de um balão fazendo o outro lado se erguer. Agora que a placa de gelo derreteu, o solo diretamente abaixo dela está subindo – e a saliência periférica, caindo.
Algum grau de afundamento está ocorrendo em todo o trecho do sul do Maine ao norte da Flórida, e isso se torna evidente pelo aumento do mar.
O afundamento é mais rápido na região de Chesapeake Bay. Comunidades inteiras das ilhas, que continham centenas de moradores no século XIX, já desapareceram. Holland Island, aonde a população chegou a quase 400 pessoas por volta de 1910, possuía lojas, uma escola, uma equipe de beisebol e muitas casas. Entretanto, conforme a água subiu e a ilha enfrentou erosões, a comunidade precisou ser abandonada.
No fim, apenas uma única casa vitoriana, construída em 1888, permaneceu de pé em um terreno – parecendo, durante a maré alta, erguer-se das próprias águas da baía. Há alguns anos, um repórter do “Washington Post”, David A. Fahrenthold, relatou seu desmoronamento.
Além do afundamento por toda a extensão da Costa Leste, alguns locais ficam sobre sedimentos macios que tendem a se comprimir com o tempo – assim, o afundamento localizado de terras pode ser ainda pior do que a tendência regional. Grande parte da costa de Nova Jersey está nessas condições. O registro do nível do mar no Battery Park vem sendo especialmente útil para entender esse fator, pois o marégrafo dali é conectado à rocha-mãe – e, assim, fica imune à compressão de sedimentos.
Stephen Gill, an oceanographer, at the Battery tide gauge, where tides have been measured since the 1850s, in New York, Jan. 9, 2014. Much of the population and economy of the country is concentrated on the East Coast, which accumulating scientific evidence suggests will be a global hot spot for a rising sea level over the coming century. (© Nicole Bengiveno/The New York Times)
Talvez o fator mais estranho esteja ocorrendo em Norfolk, na Virginia. A atual região de Tidewater foi atingida por um meteoro há cerca de 35 milhões de anos – uma colisão tão violenta que pode ter matado quase tudo na Costa Leste e enviado ondas de tsunami contra a cordilheira de Blue Ridge. O impacto do meteoro afetou e enfraqueceu os sedimentos em um raio de 80 quilômetros. Norfolk fica bem na beirada dessa área, e a antiga catástrofe pode ser um motivo para essa região estar afundando particularmente rápido.
As inundações costeiras já se tornaram um problema tão grave que Norfolk está investindo milhões para erguer as ruas e aprimorar a drenagem. Proteger realmente a cidade poderá custar até US$1 bilhão, dinheiro que as autoridades de Norfolk dizem não possuir. O prefeito da cidade, Paul Fraim, ganhou as manchetes há alguns anos, ao admitir que algumas áreas poderão ter de ser evacuadas em algum momento.
Ao longo da Costa Leste, os planejadores municipais desejam saber: qual a verdadeira extensão do problema, e em quanto tempo?
Uma das tentativas mais ambiciosas de compreender todos os fatores conhecidos surgiu há algumas semanas com Kenneth G. Miller e Robert E. Kopp da Rutgers University, e alguns de seus colegas. Seus cálculos, focados em Nova Jersey, sugerem que esse não é algum problema em um futuro distante.
Pessoas considerando se compram ou reconstroem na devastada Jersey Shore, por exemplo, podem estar olhando para quase 30 centímetros de aumento no nível do mar assim que terminarem de pagar uma hipoteca de 30 anos, de acordo com as projeções da Rutgers. Isso tornaria as inundações costeiras e os danos a propriedades consideravelmente mais prováveis do que no passado.
Mesmo se o nível global do mar subir apenas 20 centímetros até 2050, uma previsão modesta, o grupo da Rutgers prevê aumentos relativos de 35 centímetros em locais de rocha-mãe, como o Battery Park, e 38 centímetros ao longo da planície costeira de Nova Jersey, onde os sedimentos estão se comprimindo. Até 2100, eles calculam, um aumento global de 70 centímetros nos oceanos poderá gerar aumentos de 90 centímetros no Battery e até 1 metro na planície costeira.


FILE -- A young boy kayaks in flood waters caused by Hurricane Sandy in Norfolk, Va., Oct. 28, 2012. Much of the population and economy of the country is concentrated on the East Coast, which accumulating scientific evidence suggests will be a global hot spot for a rising sea level over the coming century. (© Matt Eich/The New York Times)


Esses números são assustadores, e os americanos ainda tendem a não admiti-lo. Porém, em cidades como Norfolk – onde bairros já se inundam repetidamente mesmo sem tempestades, e onde algumas casas se tornaram invendáveis – as pessoas estão ficando mais conscientes.
“Nos últimos três anos, houve uma mudança real”, afirmou William A. Stiles Jr., chefe do Wetlands Watch, um grupo ambiental de Norfolk. “Hoje temos pessoas dizendo: ‘Estou cansado de dirigir por água salgada quando vou trabalhar, e preciso de soluções’”.

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