A Península Antártica, a área onde está a maior parte das bases de pesquisa científica, incluindo as duas espanholas, é a região do mundo que já sofreu o maior aquecimento devido às mudanças climáticas. Não está claro por que. Tampouco há uma boa explicação para o fato de que, enquanto no Ártico o volume de gelo diminuiu no verão em 30% desde o fim dos anos setenta, do outro lado do planeta o gelo marítimo se redistribui, aumenta em alguns lugares e diminui em outros, com um saldo ligeiramente positivo, ou seja, está crescendo lá. “Isto parece
paradoxal em um processo de aquecimento global e tem sido usado muitas vezes para questionar a visão amplamente aceita de que a mudança climática atual tem uma origem fundamentalmente antropogênica”, disse John King, especialista do Serviço Antártico Britânico (BAS, na sigla em inglês).
Já havia sido identificada a influência das mudanças no Pacífico sobre o clima da Antártica no verão austral, junto com o aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera e a diminuição da camada de ozônio. Mas essa influência não era suficiente para explicar as alterações registradas no inverno, como a redistribuição do gelo – sua diminuição no mar de Bellinshausen é compensada pelo aumento no mar de Ross ocidental. “Nossa descoberta revela uma força desconhecida e surpreendente da mudança climática que está atuando no Hemisfério Sul: o oceano Atlântico”, disse Xichen Li, cientista da Universidade de Nova York, e seus colegas, que apresentaram a pesquisa na última edição da revista Nature. “Além disso, o estudo confirma que o aquecimento em uma região pode ter efeitos de longo alcance em outra”.
A equipe descobriu que a variação da temperatura da água no Atlântico Norte e tropical está claramente correlacionada com alterações da pressão no nível do mar em áreas da Antártica, o que influencia o comportamento do gelo, destaca o Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (SCAR, na sigla em inglês), um órgão consultivo do Tratado da Antártica.
Variação da cobertura de gelo marinho na Antártica calculada em porcentagens de extensão por década (1979 e 2012): o gelo aumenta nas áreas marcadas em vermelho (leste e oeste) e diminui nas zonas em azul. / National Snow and Ice Data Center (Boulder EE UU) / BAS
Mas Xichen Li e seus colegas não pararam nessa correlação e comprovaram o efeito com modelos climáticos em computadores verificando que geram as mudanças observadas no continente branco desencadeadas pela variação no Atlântico, e não vice-versa. “Com este estudo, vimos como o gelo da Antártica é redistribuído e também descobrimos que os mecanismos que o controlam são completamente diferentes dos mecanismos do Ártico”, diz David M. Holanda, um dos pesquisadores da equipe.
O gelo derrete com o aquecimento e forma uma cachoeira sobre o oceano na Antártica.
O aquecimento em uma região do planeta afeta outras mais distantes.
As anomalias do gelo se devem às variações dos ventos associadas com as mudanças nos padrões de pressão atmosférica em torno da Antártica, diz King em seu comentário sobre o trabalho dos pesquisadores da Universidade de Nova York. E essas mudanças estão relacionadas às anomalias de temperatura no Pacífico tropical, onde se originam os fenômenos atmosféricos que se espalham até as elevadas altitudes do sul. Assim, é possível explicar a variabilidade interanual do gelo marinho antártico no verão austral.
Em longo prazo e durante a temporada de inverno, os efeitos do Pacífico não são aparentes, mas os do Atlântico se manifestam, influenciando os ventos anômalos do sul e, portanto, impactando o continente branco. O calor no Atlântico tropical gera cadeias de ondas atmosféricas que se propagam por todo o planeta em duas semanas e acabam provocando pressões mais baixas sobre o mar de Amundsen, destacam Xichen Li e seus colegas no artigo publicado na Nature.
“O gelo marinho é um dos maiores desafios na modelagem do sistema terrestre”, lembra King. “Sua taxa de formação ou derretimento é controlada por pequenas diferenças entre grandes fluxos de calor da atmosfera e do oceano, e sua distribuição é fortemente influenciada pelos ventos e correntes oceânicas”, conclui.
ElPAÍS.com
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