Nona concentração urbana do país, com 2,6 milhões de habitantes, desigual e maltratada, a cidade dos forasteiros abriga hoje duas gerações de brasilienses. Gente que nasceu, cresceu, formou-se, arranjou trabalho ali e sente-se perfeitamente em paz com aquela geometria de superquadras, eixões e ruas de nome cifrado e aqueles que permanecem e ali residem temporiariamente, conforme as exigências de trabalho sediados, principalmente, nos Poderes constituídos. Acostumados com a proximidade do poder e seus pecados, os brasilienses se orgulham mesmo é do ar peculiar, quase interiorano, que conseguiram conservar na confusão da metrópole. É incompreensível para eles ver sua cidade descrita por viajantes como desumana ou artificial.
Cinquentona, Brasília mudou!!!
É uma mudança que primeiro se revela, no espaço urbano. Dinâmica , a cidade redefiniu sua amplidão. Nasceu como uma cidade planejada mas se transformou em algo completamente diferente do que seus criadores poderiam imaginar!
Inaugurada em 21 de abril de 1960, Brasília não passava de um conjunto de 360.000 metros quadrados de obras concluídas e cerca de outros 200.000 metros quadrados de construções inacabadas. Era pouca coisa para exíguos 43 meses de trabalho, pouco para fazer disso uma boa cidade. Mas o suficiente para garantir novo abrigo aos Três Poderes da República e dar início à interiorização do Brasil. Com Brasília, Juscelino Kubitschek tirava o país de quatro séculos de vida litorânea e empurrava-o em direção ao oeste, para tomar posse do que ele chamava de o "maior deserto fértil do mundo".
A cidade que surgiu do meio do nada nasceu cheia de pretensões. O Plano Piloto de Lúcio Costa e as obras de Oscar Niemeyer estavam carregados das ideias modernistas do urbanismo daqueles tempos. Brasília não podia parecer uma cidade como as outras. Devia fugir do modelo urbano comum a quase toda a humanidade. Os urbanistas que no início do século XX, se preocupavam em superar os problemas causados pelos incríveis crescimentos populacionais tornaram-se críticos das aglomerações humanas. Nada de cruzamentos de ruas simples, com prédios alinhados nas margens. Nada de quarteirões corriqueiros, ruelas transversais, prédios distintos ou sistemas de lotes urbanos. "Deve-se separar o pedestre da ronda infernal dos automóveis", afirmava Lúcio Costa. os modernistas não tinham intenção apenas de reinventar cidades. Queriam redefinir o próprio modo de viver.
Os conceitos fortes e diretos que embasaram o projeto de Brasília acabaram lhe conferindo a injustificada fama de cidade planejada. Na verdade, para os críticos e especialistas, hoje, ela não foi nada mais do que "desenhada". "Na verdade, como falar em planejamento numa capital que não tratou de pensar no transporte público? não previu linhas de metrô para conectá-la às cidades satélites? Brasília passou mais da metade de sua existência poluindo um estupendo lago artificial, o Paranoá, com dejetos de suas melhores casas..."
A capital que 50 anos depois se impõe ao país, porém, é bem mais complexa e já não pode ser pensada apenas como o núcleo tombado pela Unesco como patrimônio da humanidade. A brasileiríssima capital está cercada de pobreza e carregada de desafios que levarão outras tantas décadas para ser resolvidos!!!
E afinal? o Brasil ficou melhor ou pior com Brasília? O balanço é positivo: com a marcha rumo ao oeste, os brasileiros conquistaram dois terços do país.
(Extraído do texto de Delmo Moreira - Revista Época)
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