Organizar uma Copa do Mundo depois da perfeita edição realizada pelos alemães em 2006 seria um desafio para qualquer país. Para nações em desenvolvimento, como a África do Sul e o Brasil, é uma tarefa mais dura ainda.
O mundial do próximo mês e o de 2014 mostrarão até que ponto nações como essas são capazes de dar conta da tarefa. O último mundial em um país do Terceiro Mundo ocorrera no México, em 1986, quando uma Copa ainda não custava os US$ 6 bilhões estimados hoje.
O mais provável é que, tanto no caso da África do Sul quanto no do Brasil, ocorram problemas de organização, mas que o torneio transcorra sem maiores dificuldades. Realizar 64 partidas de futebol e receber 500 mil turistas no período de um mês, afinal, não chega a ser tarefa impossível para dois países desse porte.
A Fifa chegou a ameaçar mudar a Copa de país, três anos atrás, quando as obras nos estádios sul-africanos pareciam quase irremediavelmente atrasadas. Havia nisso um pouco de jogo de cena para fazer a África do Sul se mexer. No fim, dos dez estádios, nove ficaram prontos vários meses antes da partida inaugural. Apenas um, o Mbombela, de Nelspruit, foi terminado poucas semanas atrás.
Seria bom que o presidente da Confederação Brasileira de Futebol se preocupasse um pouco mais, pois ao que tudo indica o torneio deste ano será mais bem organizado do que se imaginava. E, ao contrário do que muitos pensam, à África do Sul leva vantagens sobre o Brasil em vários indicadores sociais e econômicos.
O Brasil tem um índice de desenvolvimento Humano mais elevado que o da África do Sul. O índice de Gini - que mede a desigualdade interna de um país - daqui é melhor do que o de lá. A renda média do brasileiro é superior à do sul-africano. Mas na África do Sul há menos interferência do governo nos negócios particulares; o país é mais aberto à globalização e tem um índice de inovação superior ao nosso; a corrupção é um pouco menor, a liberdade de imprensa é maior e investe-se mais na educação pública no ensino fundamental. Isso pode não significar necessáriamente maior competência para organizar uma Copa do Mundo. Mas, quando se vê que, à espera das eleições de outubro, as obras para 2014 estão praticamente paralisadas, há motivos para acreditar que a África do Sul poderá vir a realizar um mundial melhor que o Brasil.
Em alguns itens, a infraestrutura da África do Sul é superior à brasileira. Todas as cidades são interligadas por excelentes estradas. Os aeroportos foram ampliados e a maior companhia aérea do país, a South African, tem um excelente histórico de segurança.
Se em vários outros indicadores a África do Sul perde para o Brasil, isso se deve ao legado de décadas de segregação racial. Isso se reflete, sobretudo, na altíssima taxa de homicídios, a mais elevada do mundo, segundo a OMS, que faz até parecer um país seguro na comparação.
A situação é mais grave dentro do contexto de ódio racial motivado pela política do apartheid, que negou direitos iguais aos negros até 1994. Sob a liderança de Nelson Mandela, o país pôs um fim no sistema de segregação e deu início a esforços como o BEE (Black Economic Empowerment), um programa de incentivo econômico à população não branca, marginalizada nos anos de apartheid. Embora no Brasil nunca tenha havido uma política discriminatória semelhante, morrem assassinados proporcionalmente duas vezes mais negros que brancos, mostram os dados do Mapa da Violência 2010.
O país sede da Copa deste ano é o que tem o maior número absoluto de casos de aids do mundo. Enquanto o Brasil é considerado um país modelo no combate à doença e em seu tratamento, a África do Sul ainda luta para conscientizar a população sobre a prevenção e para oferecer tratamento adequado. Levará anos para que isso se traduza numa melhoria do indicador social mais negativo do país.
Mas, qualquer que seja o resultado, organizar a Copa do Mundo pela primeira vez é um triunfo para o mais pobre dos continentes e promete ser diferente das outras que foram marcadas pela padronização. Desta vez, na África do Sul, nem a padronização imposta pela Fifa impedirá um continente inteiro de ser uma das estrelas da festa!!!
Texto extraído da edição especial "África do Sul 2010" - revista Época
(por André Fontenelle e Letícia Sorg )
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