Bruce Bueno de Mesquita previu que o então presidente do Paquistão, Pervez Musharraf, renunciaria em 2008. Acertou. Também anteviu o acordo de paz entre o Reino Unido e o grupo terrorista IRA, em 1998. Cinco anos antes da morte do líder do Irã, Aiatolá Khomeini, antecipou que ele seria sucedido em 1989 pelo Aiatolá Khamenei e que o clérigo Akbar Rafsanjani, pouco conhecido, assumiria a presidência do país. Foram mais de duas mil previsões em 30 anos, que renderam ao professor da Universidade de Nova York a reputação de acertar (quase) tudo. Mesquita não tem bola de cristal, mas um algoritmo a partir do qual são feitas tais previsões, e se tornou o maior expoente de um ramo da ciência política que, em vez de analisar, calcula o futuro.
Não falta gente importante atrás desse tipo de adivinhação — que, no caso de Mesquita, custa pelo menos US$ 50 mil por consulta. Governos, grandes companhias, órgãos de inteligência e escritórios de advocacia são alguns de seus clientes. A CIA, por exemplo, contratou o professor mais de uma vez — e, em um de seus relatórios, calcula que ele acertou 90% das previsões encomendadas nos anos 80. Mas Mesquita se gaba mesmo de outra ocasião em que o governo americano pediu seus relatórios. Ele calculou que o Irã não construirá uma bomba nuclear pelo menos até 2014. Na época da análise, em 2007, os EUA estudavam bombardear o país e a previsão, de acordo com Mesquita, ajudou a evitar que Bush fizesse outra das suas. “É certo que o governo tinha outras fontes, mas a previsão de que o Irã não construiria a bomba amarrou as mãos do presidente”, diz o especialista a Galileu.
Vende-se o amanhã A consultoria do cientista político, Mesquita & Roundell, é uma de várias “adivinhadoras” a usar a teoria dos jogos, ramo da matemática que considera que toda pessoa sempre age de acordo com seus interesses — e, por isso, pode ter suas ações previstas por uma fórmula. A Decide, na Holanda, é outra delas. “Já estimamos o desfecho de negociações da União Europeia e eventos como a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas”, afirma Reinier van Oosten, criador dos algoritmos da empresa. Outras consultorias, como a CRA International e a do economista Paul Milgrom, ambas dos EUA, executam modelos para prever resultados que vão de leilões a grandes negociações.
Acertos do tipo têm aumentado o apelo das previsões baseadas na teoria dos jogos, que calculam os confrontos de interesses das pessoas influentes envolvidas na questão (entenda os detalhes abaixo). Para descobrir se o Irã irá ou não construir uma bomba atômica, por exemplo, Mesquita selecionou 87 “jogadores” que poderiam influenciar o resultado, como o presidente do Irã, radicais religiosos, o conselho de segurança da ONU, representantes da Europa, Estados Unidos, Israel, entre outros. Após convidar cientistas políticos para fazer uma análise das intenções de cada um dos jogadores, Mesquita atribuiu uma nota de 0 a 200 em indicadores sobre a orientação e a influência deles na fabricação (ou não) da bomba. O complexo algoritmo calcula as colisões entre os interesses de todos e produz como resultado um número, também de 0 a 200, usado para definir a previsão.
Esse número vai mudando conforme as colisões são simuladas. No caso do Irã, estabilizou em 118. A interpretação de Mesquita para o resultado foi de que o país, só para mostrar que é capaz, produziria material suficiente para construir a arma. Mesmo assim, ele não iria fabricar, de fato, a bomba. Se o número, por exemplo, superasse 160, a avaliação seria de que a arma viraria realidade. Nas previsões do modelo computadorizado, o presidente Mahmoud Ahmadinejad é o jogador mais poderoso do país e teria vontade de construir e testar a bomba, mas seu poder deve encolher com o tempo por conta de correntes contrárias ligadas a líderes religiosos moderados.
Esse tipo de consultoria não existe no Brasil. “Somente grandes federações industriais e comerciais talvez usassem isso”, diz Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos. Mesquita, no entanto, admite que fez previsões recentes relacionadas ao Brasil. E para por aí.
Críticas previsíveis Apesar de relativo sucesso comercial e de reputação, o uso desse tipo de sistema para previsões de política internacional é contestado. “Existem muitas variáveis e parâmetros a serem calculados. É possível ter ideias e recomendações, não prever o futuro”, diz o israelense Robert Aumann, prêmio Nobel de Economia em 2005 por seus estudos sobre a teoria dos jogos. Ele não é uma voz solitária. Um grupo de acadêmicos americanos liderado por Stephen Walt, professor de ciência política de Harvard, é contra a abordagem e debate frequentemente com Mesquita em publicações científicas. “Apesar de saberem muito dos acontecimentos, [os cientistas políticos tradicionais] estão longe de ter bom julgamento sobre o que irá acontecer. É fácil falar depois de um fato”, provoca Mesquita.
Se ainda são objeto de polêmica na política, os modelos estão consolidados em outras áreas. “Funcionam melhor para leilões e situações judiciais, em que as regras do jogo são bem estruturadas e estabelecidas”, diz Aumann, que também é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. É nesse campo que atua, por exemplo, a consultoria americana CRA International, dando dicas sobre leilões de ações, estratégias de negócios, fusões e aquisições de companhias. “Cobrimos principalmente indústrias de energia, agricultura, commodities, telecomunicações, minerais, transporte e saúde”, diz Brad Miller, que chefiou a área de modelos de teoria dos jogos da companhia durante 15 anos. Paul Milgrom, professor de economia na Universidade Stanford, também usa o sistema há 15 anos para aconselhar clientes em lances de leilões. “Mostro como devem se comportar numa situação estratégica”, diz Milgrom, que já atendeu Google, Yahoo! e a companhia de telecomunicações Vodafone.
Bola de cristal Contra os críticos, Bruce Bueno de Mesquita exibe o relatório da CIA afirmando que seu sistema tem o dobro da eficiência dos especialistas do governo americano e diz que a taxa de acertos de 90% continua. Difícil provar, já que a CIA não divulga novos documentos sobre seu trabalho desde 1993, e as empresas que o contratam não divulgam resultados, o que cria uma certa aura de mistério. O ganhador do Nobel diz conhecer seu trabalho somente pela mídia. “É uma taxa maravilhosa, mas eu nunca estudei a fundo as pesquisas para saber se é verdade”, diz Aumann. Mesquita argumenta que não sobreviveria tanto tempo no mercado se não estivesse tão certo nas previsões. Mas até ele admite que fatores externos podem atrapalhá-las. “Imagine que um jogador importantíssimo teve um ataque cardíaco no meio de um processo político. Isso altera tudo. Mas, mesmo assim, é possível reprogramar o modelo.”
Às vezes, as motivações dos jogadores são diferentes das imaginadas por uma consultoria. Por isso, esse tipo de modelo não funciona sem cientistas políticos gabaritados para dizer ao algoritmo quais são as notas de cada jogador. “É uma combinação de ciência e arte. Os consultores precisam ter experiência para fazer a teoria dos jogos se encaixar na situação real”, diz Miller, da CRA International. Nesse campo, a máquina não substituiu o homem por completo. E não é difícil de prever que isso ainda está longe de acontecer.
Não falta gente importante atrás desse tipo de adivinhação — que, no caso de Mesquita, custa pelo menos US$ 50 mil por consulta. Governos, grandes companhias, órgãos de inteligência e escritórios de advocacia são alguns de seus clientes. A CIA, por exemplo, contratou o professor mais de uma vez — e, em um de seus relatórios, calcula que ele acertou 90% das previsões encomendadas nos anos 80. Mas Mesquita se gaba mesmo de outra ocasião em que o governo americano pediu seus relatórios. Ele calculou que o Irã não construirá uma bomba nuclear pelo menos até 2014. Na época da análise, em 2007, os EUA estudavam bombardear o país e a previsão, de acordo com Mesquita, ajudou a evitar que Bush fizesse outra das suas. “É certo que o governo tinha outras fontes, mas a previsão de que o Irã não construiria a bomba amarrou as mãos do presidente”, diz o especialista a Galileu.
Vende-se o amanhã A consultoria do cientista político, Mesquita & Roundell, é uma de várias “adivinhadoras” a usar a teoria dos jogos, ramo da matemática que considera que toda pessoa sempre age de acordo com seus interesses — e, por isso, pode ter suas ações previstas por uma fórmula. A Decide, na Holanda, é outra delas. “Já estimamos o desfecho de negociações da União Europeia e eventos como a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas”, afirma Reinier van Oosten, criador dos algoritmos da empresa. Outras consultorias, como a CRA International e a do economista Paul Milgrom, ambas dos EUA, executam modelos para prever resultados que vão de leilões a grandes negociações.
Acertos do tipo têm aumentado o apelo das previsões baseadas na teoria dos jogos, que calculam os confrontos de interesses das pessoas influentes envolvidas na questão (entenda os detalhes abaixo). Para descobrir se o Irã irá ou não construir uma bomba atômica, por exemplo, Mesquita selecionou 87 “jogadores” que poderiam influenciar o resultado, como o presidente do Irã, radicais religiosos, o conselho de segurança da ONU, representantes da Europa, Estados Unidos, Israel, entre outros. Após convidar cientistas políticos para fazer uma análise das intenções de cada um dos jogadores, Mesquita atribuiu uma nota de 0 a 200 em indicadores sobre a orientação e a influência deles na fabricação (ou não) da bomba. O complexo algoritmo calcula as colisões entre os interesses de todos e produz como resultado um número, também de 0 a 200, usado para definir a previsão.
Esse número vai mudando conforme as colisões são simuladas. No caso do Irã, estabilizou em 118. A interpretação de Mesquita para o resultado foi de que o país, só para mostrar que é capaz, produziria material suficiente para construir a arma. Mesmo assim, ele não iria fabricar, de fato, a bomba. Se o número, por exemplo, superasse 160, a avaliação seria de que a arma viraria realidade. Nas previsões do modelo computadorizado, o presidente Mahmoud Ahmadinejad é o jogador mais poderoso do país e teria vontade de construir e testar a bomba, mas seu poder deve encolher com o tempo por conta de correntes contrárias ligadas a líderes religiosos moderados.
Esse tipo de consultoria não existe no Brasil. “Somente grandes federações industriais e comerciais talvez usassem isso”, diz Carlos Manhanelli, presidente da Associação Brasileira de Consultores Políticos. Mesquita, no entanto, admite que fez previsões recentes relacionadas ao Brasil. E para por aí.
Críticas previsíveis Apesar de relativo sucesso comercial e de reputação, o uso desse tipo de sistema para previsões de política internacional é contestado. “Existem muitas variáveis e parâmetros a serem calculados. É possível ter ideias e recomendações, não prever o futuro”, diz o israelense Robert Aumann, prêmio Nobel de Economia em 2005 por seus estudos sobre a teoria dos jogos. Ele não é uma voz solitária. Um grupo de acadêmicos americanos liderado por Stephen Walt, professor de ciência política de Harvard, é contra a abordagem e debate frequentemente com Mesquita em publicações científicas. “Apesar de saberem muito dos acontecimentos, [os cientistas políticos tradicionais] estão longe de ter bom julgamento sobre o que irá acontecer. É fácil falar depois de um fato”, provoca Mesquita.
Se ainda são objeto de polêmica na política, os modelos estão consolidados em outras áreas. “Funcionam melhor para leilões e situações judiciais, em que as regras do jogo são bem estruturadas e estabelecidas”, diz Aumann, que também é professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. É nesse campo que atua, por exemplo, a consultoria americana CRA International, dando dicas sobre leilões de ações, estratégias de negócios, fusões e aquisições de companhias. “Cobrimos principalmente indústrias de energia, agricultura, commodities, telecomunicações, minerais, transporte e saúde”, diz Brad Miller, que chefiou a área de modelos de teoria dos jogos da companhia durante 15 anos. Paul Milgrom, professor de economia na Universidade Stanford, também usa o sistema há 15 anos para aconselhar clientes em lances de leilões. “Mostro como devem se comportar numa situação estratégica”, diz Milgrom, que já atendeu Google, Yahoo! e a companhia de telecomunicações Vodafone.
Bola de cristal Contra os críticos, Bruce Bueno de Mesquita exibe o relatório da CIA afirmando que seu sistema tem o dobro da eficiência dos especialistas do governo americano e diz que a taxa de acertos de 90% continua. Difícil provar, já que a CIA não divulga novos documentos sobre seu trabalho desde 1993, e as empresas que o contratam não divulgam resultados, o que cria uma certa aura de mistério. O ganhador do Nobel diz conhecer seu trabalho somente pela mídia. “É uma taxa maravilhosa, mas eu nunca estudei a fundo as pesquisas para saber se é verdade”, diz Aumann. Mesquita argumenta que não sobreviveria tanto tempo no mercado se não estivesse tão certo nas previsões. Mas até ele admite que fatores externos podem atrapalhá-las. “Imagine que um jogador importantíssimo teve um ataque cardíaco no meio de um processo político. Isso altera tudo. Mas, mesmo assim, é possível reprogramar o modelo.”
Às vezes, as motivações dos jogadores são diferentes das imaginadas por uma consultoria. Por isso, esse tipo de modelo não funciona sem cientistas políticos gabaritados para dizer ao algoritmo quais são as notas de cada jogador. “É uma combinação de ciência e arte. Os consultores precisam ter experiência para fazer a teoria dos jogos se encaixar na situação real”, diz Miller, da CRA International. Nesse campo, a máquina não substituiu o homem por completo. E não é difícil de prever que isso ainda está longe de acontecer.
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