N. Nitrogênio. Número atômico 7. Invisível e sem gosto. Mas está sempre em nosso estômago. Ele é o motor da agricultura, a chave da abundância em nosso mundo repleto de gente esfomeada
Sem esse elemento insociável, pouco propenso a se juntar a outros gases, não há como viabilizar o mecanismo da fotossíntese – nenhuma proteína pode se formar e nenhuma planta pode crescer. O milho, o trigo e o arroz, as safras de crescimento rápido das quais a humanidade depende para sobreviver, estão entre as plantas que mais absorvem nitrogênio. Na realidade, elas requerem mais nitrogênio do que a natureza consegue fornecer.
É aí que entra a química moderna. Depois de capturado por usinas gigantescas, o gás nitrogênio inerte na atmosfera é forçado a unir-se com o nitrogênio do gás natural – surgem assim os compostos reativos tão almejados pelas plantas. Esse fertilizante nitrogenado (do qual uma centena de milhões de toneladas são usadas a cada ano ao redor do mundo) é o que torna abundante as colheitas. Sem ele, a civilização humana em sua forma atual não existiria. O solo do planeta não poderia fornecer a todas as 7 bilhões de pessoas os alimentos a que estão acostumadas. Na verdade, quase metade do nitrogênio encontrado nos músculos e tecidos de nosso corpo surgiu em alguma fábrica de fertilizantes.
Todavia, esse milagre moderno tem um custo. O escoamento do excesso de nitrogênio sufoca a fauna silvestre em lagos e estuários, contamina os lençóis freáticos e contribui para o aquecimento global. Enquanto um mundo esfomeado se prepara para receber mais bilhões de bocas que precisam ingerir proteínas ricas em nitrogênio, o que restará de ar e água não poluídos em meio à crescente demanda por terras férteis?
O dilema do nitrogênio é explícito na China, um país que adora sua comida e teme a possibilidade de exaurir as fontes de abastecimento. Para um visitante, tal ansiedade soa despropositada. No restaurante San Geng Bi Feng Gang, nos arredores de Nanquim, acompanho, assombrado, o desfile de pratos: peixe no vapor, costeletas de carneiro fritas, sopa de flor de crisântemo e ovo, talharim com batata-doce, brócolis frito, inhame e vasilhas fumegantes de arroz.
“Você sempre se alimenta bem assim?”, pergunto ao cientista Liu Tianlong, um especialista em agricultura que está me apresentando aos cultivadores da vizinhança. O sorriso de menino desaparece e, de repente, uma sombra tolda suas feições. “Quando eu era pequeno, ficava contente ao receber três vasilhas de arroz."
Liu cresceu logo após a grande fome que assolou a China de 1959 a 1961, na qual se estima que tenham morrido 30 milhões de pessoas. A seca desempenhou um papel, mas o responsável pela catástrofe foi o presidente Mao, e seus caprichos. Promovido pelo líder chinês, o Grande Salto Adiante pressupunha a coletivização da produção agrícola e obrigou os camponeses a entregar as colheitas para uma burocracia centralizada.
Mesmo atenuada, a escassez de alimentos prosseguiu até o fim da década de 1970, quando os cultivadores retomaram o controle de suas safras. “No prazo de apenas dois anos, quase que da noite para o dia, havia comida em profusão”, relembra Deli Chen, que, menino, testemunhou essas reformas em um vilarejo produtor de arroz na província de Jiangsu. Hoje, ele é especialista em solo da Universidade de Melbourne, na Austrália.
No entanto, os lavradores chineses logo toparam com outra barreira: os limites das terras cultiváveis. A população da China incorporou 300 milhões de pessoas entre 1970 e 1990. Não foi nada fácil para a agricultura tradicional do país atender a essa demanda.
Song Linyuan, um lavrador idoso porém lépido de um povoado a nordeste de Nanquim, ainda se lembra da época em que mantinha seu meio hectare cultivável tão fértil quanto possível: fazia a compostagem do lixo doméstico e usava o esterco de seus porcos e galinhas. Isso significava o acréscimo de 110 quilos de nitrogênio por hectare ao ano. Ele colhia de 2 950 a 3 750 quilos de arroz por hectare. Essa é uma safra respeitável, uma produtividade melhor que em muitas regiões do globo. Mas hoje ele consegue o dobro disso: 8 170 quilos por hectare – resultado com que muitos produtores só conseguem sonhar.
adubo é crucial; outros consideram mais importantes as sementes melhoradas. Na verdade, as duas tecnologias estão associadas. As variedades de arroz e trigo de alta produtividade desenvolvidas nas décadas de 1950 e 1960 apenas poderiam exibir todo o seu potencial caso recebessem outra dose de nitrogênio.
O que fez a diferença? “Adubos melhores”, diz ele. Estamos sentados em uma loja em meio a outros agricultores. A resposta de Song Linyuan desencadeia uma discussão acalorada. Alguns concordam que o
As autoridades chinesas procuraram assegurar que essas safras fossem bem adubadas. Entre 1975 e 1995, construíram centenas de usinas de nitrogênio. A fabricação de fertilizantes foi quadruplicada pelo país, e a China transformouse no maior produtor mundial. Song Linyuan agora usa cinco vezes mais fertilizante que antes. Os campos estão saturados de ureia – uma forma seca de nitrogênio –, lançada em punhados de grânulos alvos como neve entre os brotos verdes. Isso equivale a 600 quilos de nitrogênio por hectare. Os cultivadores de legumes usam ainda mais fertilizante. Alguns chegam a aplicar 1 ou 2 toneladas por hectare.
Poucos agricultores acreditam que isso pode ser danoso, mas os cientistas contam outra história. “O adubo nitrogenado é usado em excesso, em uma proporção de 30% a 60%, em campos de cultivo de manejo intenso”, diz Xiaotang Ju, da Universidade Agrícola da China em Pequim. Aplicados na terra, os compostos nitrogenados se dispersam pelo ambiente, alterando nosso mundo, não raro de maneira indesejável. Parte do nitrogênio é carregada das plantações para os rios ou se dilui na atmosfera. Outra porção é ingerida, sob a forma de grãos, por seres humanos ou animais de criação, mas, em seguida, retorna ao ambiente como dejeto ou excremento.
Deli Chen lembra-se das pescarias que fazia quando pequeno. “O rio tinha água translúcida”, conta. Mas aí, por volta de 1980, “era impossível ver os peixes”. A turvação devia-se em parte à proliferação de fitoplâncton, um sinal de que a água se tornou eutrófica (sobrecarregada de nutrientes). Um levantamento de 40 lagos chineses constatou que metade deles apresentava quantidade excessiva de nitrogênio ou de fósforo – com frequência, o adubo com fósforo é o responsável pela proliferação de algas nos lagos.
National Geographic
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