sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Adeus ao cenário de "O exterminador do futuro"



O melhor pôr-do-sol de Los Angeles não estava na praia, nem nas colinas de Hollywood. Para muitos, a melhor foto da cidade estava sobre uma ponte com dois arcos metálicos e desenho futurista, uma das 13 que cruzam o rio de cimento de Los Angeles e comunicam os bairros proletários da zona leste com o centro da cidade. Essa foto já não poderá mais ser feita. A ponte da rua 6 foi fechada ao tráfego na última terça-feira à noite, e ninguém mais voltará a cruzá-la. Será demolida nos próximos nove meses.
Não é preciso ter pisado nessa ponte para ter estado ali. Milhões de pessoas passaram por cima ou por baixo dela em O Exterminador do Futuro 2, O Máskara, Drive, no clipe da canção Happy e no game Grand Theft Auto. O primeiro episódio da série Fear the Walking Dead é uma das últimas produções locais nas quais figurou. O túnel pelo qual se acessa o rio, local exato da corrida de carros de GreaseNos Tempos da Brilhantina, ainda está aberto para passear.
Em outubro, um festival de despedida da ponte reuniu uma multidão ao entardecer, com os edifícios ao fundo. Não foi adeus suficiente. Na noite de terça, após a notícia de que ela seria fechada para sempre, centenas de pessoas ocuparam espontaneamente a ponte para fazer uma última foto. Apareceram por ali carros de coleção da cultura low-rider dos hispânicos dos anos cinquenta. A multidão interrompeu o trânsito, e a polícia precisou intervir.
Construída em 1932, em plena expansão otimista de uma cidade que nadava em petróleo e celuloide, tem 1.066 metros de comprimento – a mais longa da cidade – e é uma das joias arquitetônicas de Los Angeles. Oito décadas depois, este ícone da cidade está jurado de morte. Tem uma doença no cimento que o torna excessivamente frágil para uma região sísmica como o sul da Califórnia. Os especialistas calculam que tem 70% de possibilidades de ser destruída em um terremoto forte, que cedo ou tarde ocorrerá. Em 2011, a cidade decidiu que a única solução era uma ponte nova.
A demolição vai demorar nove meses. A nova ponte só será inaugurada em 2019. As obras custarão 449 milhões de dólares (1,8 bilhão de reais), que a prefeitura obteve junto aos Governos federal e estadual. O novo projeto, escolhido num concurso internacional, foi realizado pelos escritórios HNTB e Michael Maltzan Architecture. Terá 10 pares de arcos iluminados à noite, ciclofaixa e um centro de artes no seu interior. É diferente. Um jornalista perguntou ao engenheiro-chefe da Prefeitura, Gary Lee Moore, se as autoridades não haviam cogitado construir uma ponte idêntica à atual. “Se você precisasse refazer a sua casa depois de 85 anos, a faria igual?”, respondeu. Seus criadores aspiram a que a nova ponte se torne um cartão-postal da cidade, tanto quanto sua antecessora.
Após os estudos necessários e o concurso internacional para o novo projeto, chegou na quarta-feira a data prevista para o começo das obras. Pela manhã, o prefeito Eric Garcetti concedeu entrevista coletiva junto à ponte para explicar as consequências viárias da obra. A rodovia 101, que cruza todo o centro da cidade e passa também sob a ponte, precisará ser interrompida entre 5 e 7 de fevereiro, e já se busca uma palavra que descreva essa confusão no trânsito. Em obras semelhantes cunhou-se o termo Carmageddon, às vezes se fala de Jamzilla [mistura de jam, congestionamento, com o monstro Godzilla]; quando o presidente vem à cidade e é preciso interromper o trânsito para a passagem da comitiva, fala-se em um Obamageddon.
Nessa entrevista coletiva também estava o vereador José Huizar, que representa esse distrito. A ponte da rua 6 “era uma atração em si mesma”, recordou Huizar, que cresceu no Boyle Heights, o coração chicano de Los Angeles, comunicado com o progresso justamente por essas pontes. Huizar recordou que, quando criança, cruzava a ponte de bicicleta pela manhã para apanhar o fardo de jornais que depois distribuía pelo bairro. “A ponte representava esperança e oportunidade para muita gente”, disse.
O ato do prefeito para dar início às obras, na manhã de quarta-feira, tinha um tom otimista, de olhar para o futuro e renovação urbana. “Mal posso esperar para voltar dentro de alguns anos e cortar a fita”, disse. Mas Huizar, ao saudar os operários, perguntou meio de brincadeira: “Por que está todo mundo tão triste?”.
 

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