domingo, 17 de janeiro de 2016

Antropoceno, a Humanidade como uma força planetária


Bombas de petróleo em campo de extração nos EUA: queima de combustíveis fósseis pela nossa civilização mudou ciclo natural de carbono do planeta, num dos sinais que ficarão registrados nos estratos geológicos por milhões de anos
Foto: AP/Eric Gay
 
Bombas de petróleo em campo de extração nos EUA: queima de combustíveis fósseis pela nossa civilização mudou ciclo natural de carbono do planeta, num dos sinais que ficarão registrados nos estratos geológicos por milhões de anos -
Quando se fala em fenômenos geológicos, vêm à mente eventos poderosos, como erupções vulcânicas e terremotos, ou processos lentos, como a erosão e o depósito de sedimentos em rios, lagos e oceanos. Mas poucas pessoas imaginavam que a Humanidade mudaria a face da Terra de forma tão abrupta que poderia ser considerada uma força de transformação planetária equiparável ao meteoro que dizimou os dinossauros há cerca de 66 milhões de anos. É isso, porém, que observam as dezenas de cientistas do grupo criado pela Comissão Internacional de Estratigrafia (ICS), mais antigo órgão científico da União Internacional de Ciências Geológicas (IUGS), para montar a proposta para adoção oficial do Antropoceno, a “era dos humanos”, no sistema de divisão do tempo geológico do planeta, sucedendo a época atual, o Holoceno.
— Vivemos numa época em que as pessoas afetaram tanto os processos geológicos da Terra, em alguns casos de forma tão permanente, que estamos criando um novo tipo de geologia, um novo estrato com fósseis, um padrão da química nas rochas e outras evidências do tipo — conta ao GLOBO o cientista Jan Zalasiewicz, professor da paleobiologia da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e presidente do grupo de trabalho da ICS, que apresentará a proposta no próximo Congresso Internacional de Geologia, em agosto, na África do Sul. — Se tivermos geólogos daqui a 1 milhão de anos, ou mesmo 100 milhões de anos, eles verão o estrato que representa esta época em particular e reconhecerão que algo aconteceu, que o mundo mudou, assim como quando um meteoro atingiu a Terra e extinguiu os dinossauros há milhões de anos.

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Segundo Zalasiewicz, embora algumas evidências sejam facilmente discerníveis hoje, elas não são tão relevantes diante da enorme escala do tempo geológico. É o caso, por exemplo, dos elementos radioativos espalhados a partir da explosão das primeiras bombas atômicas nos anos 1940, ou o ar com alta concentração de dióxido de carbono preso no gelo polar e de glaciares pelo mundo. Outras, no entanto, têm um caráter que as tornam potencialmente muito mais duráveis, ou mesmo permanentes, e devem servir de base para a decisão sobre a oficialização do Antropoceno. Neste grupo, ele destaca as alterações radicais que a Humanidade fez na biosfera, tanto com o extermínio de espécies de animais e plantas numa velocidade só vista nas grandes extinções em massa do passado quanto com a sua redistribuição pela superfície da Terra.
— As alterações que estamos fazendo na distribuição das espécies de animais e plantas no planeta é impressionante, de uma forma muito mais abrangente e efetiva da que qualquer outro processo geológico no passado — comenta ele.
Essa transformação seria vista pelos geólogos do futuro como uma mudança distinta, e até mesmo severa, diz o pesquisador. Além disso, foi desencadeado um ritmo de extinção de espécies comparável a eventos anteriores de extinção em massa.
— Creio que essas mudanças serão observadas mais facilmente no futuro distante por serem permanentes. Ao estudar a biologia do planeta, o futuro geólogo poderá ver que uma modificação muito grande, novamente como o impacto do meteoro que extinguiu os dinossauros. Este evento único em um momento específico mudou o curso da História biológica da Terra de forma que todos os fósseis nos estratos acima da camada do impacto são diferentes. Estamos fazendo algo parecido hoje.

Um estudo publicado ontem na revista “Nature” dá conta de que o impacto da Humanidade é capaz de adiar em até 100 mil anos o início da próxima Idade do Gelo. O último ciclo glacial acabou há 11,7 mil anos. De acordo com os cientistas do Instituto Potsdam para Pesquisa sobre o Impacto Climático (PIK), na Alemanha, seria esperado um novo período de esfriamento em algum momento no futuro, mas as emissões de CO2 com a queima de petróleo, carvão e gás estão levando a civilização a “pular” essa fase.
 
Terra que chegará a um futuro distante a mudança provocada no ciclo natural do carbono pela queima de combustíveis fósseis. Segundo ele, a química das rochas denunciará alterações na forma como o carbono circulou pela Terra, com uma composição isotópica diferente do ciclo padrão de carbono, mostrando que algo aconteceu.

Computadores fossilizados
Na lista de evidências duráveis também está o que o grupo da ICS batizou informalmente de “tecnofósseis”: restos fossilizados dos produtos tecnológicos. São rastros de plástico, cinzas, fuligem e concreto que serão reconhecidamente diferentes de tudo que existia ou aconteceu na Terra antes.
— Os pesquisadores no futuro podem não reconhecer um computador fossilizado, mas perceberão que o contorno de seu teclado, por exemplo, é muito diferente de uma concha ou osso fossilizado. Outra evidência durável é o concreto. O concreto vai se fossilizar muito bem. Cidades como Veneza,
Xangai, Amsterdã ou mesmo o Rio de Janeiro estão em locais da crosta terrestre que estão afundando e deverão ser cobertas por sedimentos. Assim, podemos imaginar que porções destas cidades serão fossilizadas no futuro e farão parte do quebra-cabeça que deixaremos para as gerações de geólogos de um futuro distante.
 



 


 


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