terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Ainda dá para manter o aquecimento global abaixo de 1,5%C?

Derretimento das geleiras, possivelmente causado pelas mudanças climáticas, atrai turistas para a Groenlândia (Foto: Uriel Sinai/Getty Images)
 
Uma das (poucas) boas notícias de 2015 foi a inclusão, no Acordo de Paris, de uma meta de manutenção até 2100 do aquecimento global abaixo de 1,5°C em relação aos níveis pré industriais. Mesmo não se tratando de uma obrigação jurídica, mas de um objetivo a ser perseguido, a referência a 1,5°C é uma vitória não só das nações mais vulneráveis às mudanças climáticas, mas de todos, pois, junto com os mecanismos de revisão da contribuição de cada país a cada 5 anos, ela favorecerá a escalada na ação e na ambição nas metas individuais dos países.
Em junho de 2015, um relatório da ONU feito com base nas opiniões de 70 cientistas concluiu que a meta de 2°C é "inadequada" como limite seguro e que menos aquecimento seria "preferível", porque os impactos são tão graves - incluindo riscos à produção agrícola, o aumento do nível do mar no longo prazo, o alto risco de aquecimento e acidificação dos oceanos. Recifes de corais, por exemplo, não conseguirão sobreviver a um aumento de temperatura 2°C, ao passo que 50% poderão se manter diante de um aumento de 1,5°C.
Reduzir o teto do aquecimento global é fundamental também porque as promessas individuais dos países feitas como parte do Acordo de Paris implicam na emissão de 52 a 54 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa até 2025 – ou chegarmos a uma temperatura 2,7°C acima dos níveis pré-industriais até 2100. Buscar novos compromissos, portanto, é vital. Para sanar essa diferença entre o que podemos emitir e o que os países até agora prometeram emitir (vamos chamar esta diferença pela palavra inglesa gap), o Acordo de Paris estabelece um processo de revisão dos compromissos ao longo do tempo. A primeira revisão deve acontecer em 2018 (prepare-se!): com base no resultado da avaliação, cada país irá apresentar um novo compromisso ou atualizar o que existente. Depois disso, a revisão acontece a cada cinco anos. Desta forma, promove-se um processo contínuo e regular para aumentar a ação de todos os países. O mecanismo também define uma expectativa ambição crescente para o futuro. Dentro desse contexto, a meta de 1,5°C faz muito sentido. 
Mas embora a validade política desse novo teto de aquecimento global seja de relativo consenso, ainda persistem dúvidas sobre sua viabilidade técnica. A (outra) boa notícia é que, apesar de pouco pesquisado, o limite de 1,5°C é considerado viável por alguns estudos A começar pelo Banco Mundial, que classificou o limite de 1,5°C como "técnica e economicamente viável". O relatório de 2014 do IPCC, por sua vez, identifica um "número limitado de estudos" propensos a limitar o aquecimento a 1,5°C. O relatório de 2014 da UNEP sobre o gap nas emissões também encontrou um pequeno número de cenários nos quais a probabilidade de conseguirmos ficar abaixo de 1,5°C de aquecimento é de 50%. Um estudo publicado na Nature Climate Change em junho 2015 descreve alguns cenários em que isso pode ser alcançado, embora classifique como "tarefa muito desafiadora".
O desafio para manter o aquecimento global abaixo 1,5ºC parece estar dentro do que é física, tecnológica e economicamente viável – sem comprometer o desenvolvimento sustentável – desde que comecemos a agir sem mais delongas. Não podemos nos permitir mais atrasos na redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa, que devem diminuir rapidamente e de forma constante a partir de 2020, de acordo com pesquisa realizada pela Climate Analytics.
Ficar abaixo 1,5°C quase certamente significa lançar mão tecnologias de “emissões negativas” – como biomassa com a captura e armazenamento de carbono – para sugar o dióxido de carbono do ar na última parte do século. Isto permitiria que o mundo alcançasse 1,5°C no meio do século e se mantivesse abaixo desse teto até 2100.
Os cenários nos quais o mundo se mantém abaixo de 1,5°C são caracterizados por uma rápida descarbonização do sistema energético pela alavancagem das tecnologias de baixo carbono, incluindo veículos elétricos e eficiência energética. No estudo da Nature Climate Change, a demanda de energia é apenas um pouco maior em 2100 do que agora, apesar do aumento da população e do crescimento econômico.
As pesquisas sugerem que limitar o aquecimento a 1,5°C é um processo semelhante ao de limitar o aquecimento a 2°C –a opção que estava na mesa de negociações antes do Acordo de Paris. O mundo terá que investir significativamente em novas infraestruturas de energia, não importa se com base em energias renováveis ou de combustíveis fósseis. Porém apenas as energias limpas proporcionarão a oportunidade de manter ou construir a prosperidade.
Continuar apostando nos combustíveis fósseis terá impactos econômicos significativos (além do risco das mudanças climáticas ficarem fora de controle). O que muda drasticamente é o prazo no qual precisamos agir e, portanto, a intensidade dos investimentos no curto prazo e o uso das tecnologias de emissões negativas.  Estes custos, porém, também precisam ser contrabalançados com os gastos que serão evitados.
Os esforços para manter o aquecimento abaixo de 1,5°C levantarão questões importantes sobre o uso do solo e a segurança alimentar. Seríamos obrigados a confrontar tais questões também na maioria dos cenários de 2°C – mas o limite 1,5ºC cria uma oportunidade inestimável de antecipação dessa conversa e de avanço da economia sustentável.

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