Não há uma única explicação que comprove as dez pragas retratadas pela novela Os Dez Mandamentos. Contudo, uma série de pesquisas científicas sugere que elas não só atormentaram os egípcios da Antiguidade como podem oferecer pistas poderosas para preservar nosso bem mais precioso: a água
Tu falarás tudo que eu te mandar; e Arão, teu irmão, falará ao Faraó que deixe ir os filhos de Israel da sua terra. Eu, porém, endurecerei o coração do Faraó, e multiplicarei na terra do Egito os meus sinais e as minhas maravilhas. O Faraó, portanto, não vos ouvirá." Foi assim, de acordo com o relato bíblico do Êxodo, que começaram as dez pragas que atormentaram os egípcios na Antiguidade e estão sendo retratadas pela nova Os Dez Mandamentos. O faraó, Ramsés II (que de acordo com relatos históricos reinou entre 1270 a.C. e 1213 a.C.), não permitiu que os hebreus partissem de suas terras, o que levou a uma série de maldições. A primeira foi a transformação da água do rio Nilo em sangue, seguida por invasões de rãs, piolhos, moscas, morte do gado, chagas, chuva de pedras, nuvens de gafanhotos, trevas e morte dos primogênitos. Ao fim de tantas tragédias, Ramsés II, finalmente, concordou com a saída dos hebreus do Egito.
Não há uma única explicação científica que comprove as dez pragas relatadas na Bíblia. No entanto, diversas pesquisas desenvolvidas nas últimas décadas por físicos, meteorologistas, biólogos e geólogos sugerem que a sequência trágica realmente existiu e teve graves consequências para a população da época. Há duas correntes principais seguidas pelos pesquisadores e ambas colocam as maldições como um encadeamento de eventos naturais - uma praga levando à seguinte.
Uma delas, defendida pelo físico britânico Colin Humphreys, professor da Universidade de Cambridge, no livro Milagres do Êxodo, de 2003, é de que uma grande seca foi a responsável pela alteração da água do rio Nilo e causou a série de eventos. A outra, desenvolvida por cientistas como o biólogo canadense Siro Trevisanato, que escreveu o livro As pragas do Egito, em 2005, explica que uma gigantesca erupção no vulcão Thera, que fazia parte das ilhas Santorini, atualmente parte da Grécia, causou as maldições em sequência há cerca de 3.500 anos.
O rio Nilo - Para as duas vertentes, alterações ambientais mexeram com um elemento fundamental para a sobrevivência do Egito: as águas do Nilo. Localizado no meio do deserto, o rio permite a sobrevivência humana tornando as terras em suas margens cultiváveis. Alterações nas águas provocariam grandes catástrofes para o país, como as pragas relatadas pela Bíblia.
"As maldições da Antiguidade foram causadas por muitos fatores. Entre eles estão o aquecimento climático e a seca, que levaram a uma queda nos níveis da água e aumento de sua temperatura. Além disso, houve um aumento de nutrientes no rio causados pelo aumento da população ao seu redor. Somados, esses elementos levaram a mudanças ambientais que foram vistas à época como pragas", afirmou ao site de VEJA o biólogo Stephan Pflugmacher, professor da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha.
O biólogo estuda a ação de algas e toxinas que podem causar profundas alterações em cursos aquáticos naturais. Para ele, a água "sanguínea" do Nilo pode ser explicada por uma proliferação de micro-organismos que tingiram o rio e tornaram a água imprópria para o uso.
"Os egípcios estavam absolutamente corretos ao perceber que a água do 'Nilo vermelho' não podia ser utilizada. Mas hoje sabemos que ela não era sangue, mas o efeito de algas microscópicas e cianobactérias. Esse micro-organismos se desenvolvem massivamente quando a água é rica em nutrientes e a deixa vermelha", diz Pflugmacher.
A força da água - Para os pesquisadores, decifrar as pragas do Egito é importante porque elas oferecem pistas-chave para evitar desequilíbrios ambientais semelhantes no futuro. "As razões científicas têm muita relevância, pois fazem mitos e histórias como esses serem aceitos e, principalmente, explicam com clareza como aconteceram e como podem ser prevenidos", afirmou ao site de VEJA o biólogo Werner Kloas, pesquisador do Instituto Leibniz, na Alemanha.
Além disso, como sequência de maldições que atormentou a população da época foi desencadeada por alterações no bem mais precioso para a vida dos seres vivos - a água - entender como ela se originou traz conhecimentos essenciais para sua preservação. Segundo os pesquisadores, essas análises são úteis para o momento atual de crescente escassez do líquido.
"Por falta de explicações, vários eventos que ocorreram no passado se tornaram mitos. No entanto, a ciência de hoje tem muitas ferramentas e uma visão mais abrangente desses fenômenos, e pode decifrá-los com uma relativa tranquilidade. Explicações nas áreas da ecologia, toxicologia e biologia são fundamentais para evitar que novas 'pragas' nos atinjam. Como se sabe, o recurso mais importante para a vida é a água, sem o qual tudo no planeta morre. Precisamos saber tudo o que for possível, já que somos tão dependentes dela", diz Pflugmacher.
Como a ciência explica as pragas do Egito
Banho de sangue
Versão religiosa: Segundo o relato bíblico do 'Êxodo', quando o faraó Ramsés II se recusa a libertar o povo hebreu, a primeira medida divina é transformar a água do Nilo – rio que simboliza o Estado egípcio e sua fertilidade – em sangue. Sem água, era impossível cozinhar, beber, comer ou tomar banho.
Explicação científica: Uma das explicações científicas afirma que a elevação das temperaturas no final do reinado de Ramsés II (que reinou entre 1270 a.C. e 1213 a.C.) provocou uma grande seca e tornou vermelha as águas do Nilo. O calor levou à proliferação de algas pirrófitas, encontradas no rio, que são vermelhas e liberam substâncias tóxicas. Elas são responsáveis pelo fenômeno conhecido atualmente como 'maré vermelha". "Com os conhecimentos de hoje e análises em laboratório, sabemos que esses micro-organismos podem produzir diversas toxinas, que tornam a água imprópria para o consumo", explica biólogo Stephan Pflugmacher, professor da Universidade Técnica de Berlim, na Alemanha.
Outra hipótese, levantada pelos cientistas e retratada no documentário 'Êxodo Decodificado' ('The Exodus Decoded', em inglês), produzido pro James Cameron em 2010, indica que terremotos que aconteceram há 3 500 anos, em decorrência da erupção do vulcão Thera, na ilha de Santorini, região grega localizada a 700 quilômetros do Egito, foram os responsáveis pela transformação da água. O líquido do fundo do rio possui grande concentração de ferro dissolvido.
Quando ele se mistura com o gás liberado pelos tremores, o contato com o oxigênio forma o hidróxido ferroso, mais conhecido como ferrugem – que possui tonalidade avermelhada.
Rãs
Versão religiosa: De acordo com a Bíblia, depois da primeira praga, Ramsés não muda de postura e outro castigo vem dos céus: rãs começam a sair aos milhares do Nilo.
Explicação científica: segundo o físico britânico Colin Humphreys, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e autor do livro 'Os Milagres do Êxodo', de 2003, esta maldição é consequência direta da primeira, pois, com a falta de oxigênio na água os sapos fugiram do rio e migraram para a terra. Outros animais, como os peixes – que não conseguem pular – não tiveram o mesmo fim e morreram no Nilo.
Segundo a perspectiva da erupção vulcânica, o gás liberado pelas fendas da terra deixa a água sem oxigênio, obrigando as rãs a fugirem para a terra.
Piolhos
Versão religiosa: Enquanto os egípcios apelam para os deuses com cultos e oferendas para que interrompam as pragas, Moisés aciona Deus para que envie mais castigos. Assim, surge uma infestação de piolhos, que atormentam homens e animais.
Explicação científica: De acordo com o livro 'Os Milagres do Êxodo', a seca é o clima ideal para a multiplicação de ovos de piolhos. O parasita era muito comum no Egito da Antiguidade e várias pessoas raspavam a cabeça para evitá-lo. Além disso, devido à falta de água limpa, já que a do Nilo estava imprópria para o consumo, a higiene foi prejudicada – cenário propício para a reprodução dos bichos.
Enxame de moscas
Versão religiosa: Assim como os piolhos, o enxame de moscas – a quarta praga – também causou muita irritação e incômodo entre os egípcios. Mas os israelitas não foram atingidos por esse mal.
Explicação científica: O físico Colin Humphreys afirma que a multiplicação desses insetos ocorreu devido à morte dos sapos, predadores naturais das moscas. Outra tese, defendida por cientistas no documentário 'Êxodo Decodificado', indica que a falta d'água limpa atraiu esses insetos por dois motivos: falta de higiene e morte dos animais do ecossistema do Nilo.
Peste nos animais
Versão religiosa: Ramsés II vê as pragas como um mal que é capaz de vencer e chega a mentir para Moisés, ao dizer que vai libertar os hebreus. No entanto, o faraó quebra a sua palavra e, segundo os textos bíblicos, Deus envia mais uma praga: a morte dos animais.
Explicação científica: A proliferação de moscas e piolhos, que se iniciou com a falta de água limpa e pela morte das rãs – predadores naturais desses insetos – foi a responsável por essa peste. Esses insetos podem carregar vírus e, ao picar os animais, provocam doenças que podem terminar em morte. Para Humphreys, um dos principais insetos que causou a morte dos bichos foi a mosca-de-estábulo, que transmite vírus fatais para cavalos e vacas.
Úlceras e Chagas
Versão religiosa: Na sexta praga, não só os animais vão adoecer, mas também os homens, que sofrem com grandes feridas na pele.
Explicação científica: De acordo com o biólogo Werner Kloas, do Instituto Leibniz, na Alemanha, essas chagas surgiram por causa da multiplicação de insetos que, depois de incomodar os animais, picaram os egípcios. A teoria vulcânica, apresentada no documentário 'Êxodo Decodificado', discorda dessa hipótese e propõe outra: a erupção do vulcão de Santorini liberou muito dióxido de carbono e, por causa desse gás, os habitantes do Egito ganharam bolhas, que resultaram em feridas.
Chuvas de pedras
Versão religiosa: Conhecida como saraiva, a chuva de pedras – que possui cinzas e fogo – vai afetar a agricultura e, em consequência, homens e animais.
Explicação científica: Para a ciência, essas chuvas são grandes tempestades de granizo em que ocorrem muitos relâmpagos. Apesar de ser raro, o granizo pode cair em regiões desérticas. Outra tese, defendida pela física Nadine von Blohm, do Instituto de Física Atmosférica da Alemanha, aponta para uma chuva de pedras vulcânicas após a erupção do vulcão de Santorini. Em entrevista ao jornal britânico 'The Telegraph', em 2010, ela afirmou que quando uma nuvem de cinzas percorre grandes distâncias, surge umidade na atmosfera. Além disso, também há bastante vapor de água na nuvem em si. Neste caso, os pequenos fragmentos de cinzas e cristais teriam formado um núcleo, similar ao granizo, causando a impressão de uma chuva que mistura água, pedras e fogo.
Gafanhotos
Versão religiosa: Deus enviou uma nuvem desses insetos para o Egito, que comeram todas as plantações da região. Assim, somente os judeus tinham alimentos.
Explicação científica: De acordo com o livro 'Os Milagres do Êxodo', gafanhotos só invadiram o Egito porque ficaram perturbados com as alterações climáticas – chuva de granizo ou a erupção do vulcão provocou alterações no comportamento dos insetos que se agruparam em grandes nuvens. Outra explicação é o tempo frio e o solo úmido da sétima praga, cenários propícios para o depósito dos ovos dos gafanhotos. Quando eles eclodiram, veio a oitava praga.
Trevas
Versão religiosa: Nesta praga, a luz se apaga. A religião acredita que, nesse momento, Deus derrubou Rá, o deus do Sol. Assim, durante três dias, o Egito ficou na “escuridão palpável”, enquanto os israelitas tinham luz.
Explicação científica: Uma densa tempestade de areia chamada 'khamsin', comum até hoje no deserto, pode ter sido a responsável pelo evento. A hipótese vulcânica, apresentada no documentário 'Êxodo Decodificado', afirma que as cinzas da erupção do vulcão de quase 40 quilômetros de altura e 200 quilômetros de largura tampou o sol e, assim, fez com que o Egito ficasse na escuridão. Esse pó vulcânico também deu a impressão de que "o escuro era palpável”.
Morte dos primogênitos
Versão religiosa: a última praga é o golpe final contra o faraó Ramsés II. Segundo a Bíblia, escaparam de encarar a morte as famílias que passaram o sangue de um cordeiro ou cabrito nos batentes das portas, aviso dado antemão por Deus.
Explicação científica: Uma das razões para a última praga é cultural – por ter o privilégio de se alimentarem primeiro e quando não há alimento para todos, os filhos mais velhos ingeriram a comida que estava contaminada pelas fezes dos gafanhotos, depositadas nas lavouras. Intoxicados, foram dormir e não acordaram mais. Segundo a hipótese vulcânica, os primogênitos morreram devido ao vazamento de dióxido de carbono, altamente tóxico para os humanos, liberado com a erupção. Dormir em camas era mais uma das regalias dos primogênitos egípcios. Enquanto isso, os mais novos dormiam em carroças e telhados. Por estarem mais próximos do chão, os herdeiros mais velhos inalaram durante o sono o gás que se desloca junto ao solo e morreram intoxicados.
Veja.com
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