Implantar características novas ou melhorar as já existentes em determinado organismo são o principal objetivo dos transgênicos. Apesar das propagadas vantagens da aplicação da técnica, não são poucos os impasses científicos e até mesmo filosóficos que envolvem a prática.
Incertezas à parte, uma coisa é certa: os transgênicos já estão em sua mesa. Sabe-se que, em nível mundial, as principais culturas que possuem elementos transgênicos são o tomate, a soja, o algodão, o milho, a canola e a batata. Além desses, há outros produtos que também são alvo da técnica de transgenia e você talvez nem imagine: óleos, farinhas e grãos, molhos e condimentos, enlatados, sopas e pratos prontos, matinais e cereais, chocolates e balas, biscoitos e salgadinhos, pães e bolos, bebidas, laticínios e margarinas, massas, congelados e rações para animais.
No Brasil, para saber se um alimento possui ou não elementos transgênicos, basta ficar atento ao rótulo. De acordo com a regra definida pelo decreto 4.680/2003, qualquer embalagem de alimento que possua mais de 1% de origem transgênica deve conter um "T" de cor preta sobre um fundo amarelo, em formato de triângulo (semelhante a uma placa de trânsito).
"Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto (…) uma das seguintes expressões, dependendo do caso: '(nome do produto) transgênico', 'contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)' ou 'produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico'", indica o decreto.
OGM e transgênicos
Há duas categorias quando o assunto é manipulação genética dos organismos. Os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e os transgênicos. Todo transgênico é um OGM, mas nem todo OGM é um transgênico. Ficou confuso? Calma! O engenheiro agrônomo
Leonardo Melgarejo, que também é mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção, explica a diferença.
"Por definição, uma planta ou animal transgênico é aquele que foi transformado pela agregação de genes provenientes de seres com os quais o organismo original não poderia se relacionar sexualmente. Logo, há transferência de um gene que é alheio à sua carga natural, ou seja, há uma anomalia sob a perspectiva da evolução natural. Já um OGM é aquele que sofreu modificação em sua carga genética natural. Essa modificação pode ser, por exemplo, uma mutação induzida em um ou alguns de seus genes", explica.
De acordo com o doutor em Fitopatologia, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conselheiro do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB),
Marcelo Gravina de Moraes, a Lei de biossegurança brasileira não faz distinção entre OGM e transgênicos. "As alterações feitas a partir dos genes da própria espécie geram um organismo chamado de cisgênico. Todavia, não existe nenhum caso de cisgênico em uso comercial. Na prática, a lei considera ambos o mesmo caso", esclarece.
Prós e contras
As propagadas vantagens da aplicação da técnica incluem o surgimento de plantas resistentes às pragas (insetos, fungos, vírus, bactérias e outros) e a diminuição no uso de herbicidas, pesticidas, inseticidas e outros agrotóxicos. A resistência a ataques de insetos e a infecções virais, a redução do custo de produção em virtude de menor exigência de agrotóxicos e a consequente maior rentabilidade ao agricultor são outros argumentos dos grupos favoráveis aos transgênicos.
Os principais questionamentos dizem respeito à polinização cruzada (entre transgênicos e culturas não modificadas), aos ainda não totalmente estudados possíveis impactos na saúde humana/animal e às possíveis reações alérgicas a esses alimentos. Há também fatores socioeconômicos (diferenças entre bases e culturas agropecuárias dos países) e indagações sobre a utilização de compostos químicos. A lista inclui ainda o risco de redução da biodiversidade, como consequência da maior agressividade das culturas transgênicas, abrangendo a eliminação de insetos e fungos, o que interferiria nas populações de insetos benéficos ou predadores e na comunidade de organismos do solo.
Polêmicas
Quando o assunto são os riscos que os transgênicos podem trazer, tanto para a saúde humana quanto para os ciclos de produção dos alimentos e para o ecossistema como um todo, os especialistas consultados pelo Yahoo! possuem opiniões contrárias.
Segundo Melgarejo, ainda não se sabe a dimensão completa dos problemas que podem ser causados pelos transgênicos. "Os estudos a que tive acesso são insuficientes para atestar a inexistência de riscos. Cada transgênico implica numa determinada carga de riscos - há as tecnologias HT, BT, ou mesmo os chamados transgênicos voltados ao enfrentamento de fatores abióticos (resistência a secas, inundações, etc.) ou ao enriquecimento dos padrões alimentares. É preciso avaliar o tema com base no caso a caso."
Já Gravina defende que os transgênicos são testados quanto a sua biossegurança alimentar e ambiental desde o início da pesquisa até antes de serem liberados comercialmente. "Em nenhum caso, até hoje, se verificou o caso de um transgênico oferecer mais risco que um organismo convencional para a alimentação ou para o meio ambiente. Essa afirmação tem por base um número muito grande de publicações científicas que formam um consenso sobre a biossegurança e também por meio da análise de agências regulatórias de diversos países e organizações internacionais, como a FAO e a OMS, por exemplo."
Há certo consenso na comunidade científica de que os efeitos em longo prazo, ainda desconhecidos, da introdução de alimentos transgênicos na cadeia alimentar, tanto no meio ambiente quanto na saúde pública, só serão conhecidos após os necessários tempos de utilização. Mas, será que vale a pena correr esse "risco"?
Doutor Gravina explica que o prazo de análise (longo prazo) a que os alimentos derivados de transgênicos são submetidos não é menor do que o de outras modificações usadas na produção de alimentos. "Ao contrário, as análises sobre os transgênicos são minuciosas e não são realizadas em nenhum outro caso. Por isso, se conhece muito mais sobre a composição, ausência de alergenicidade e de toxicidade de um alimento produzido com um transgênico do que um alimento convencional. Portanto, não há riscos desconhecidos, mas sim muito mais informação sobre transgênicos.
Assim, podemos considerar que, em muitos casos, o uso de transgênicos pode ser até mais seguro que alimentos convencionais. No caso ambiental, isso já é verificado através da redução do uso de agroquímicos, de água e de combustível em lavouras transgênicas em comparação às tradicionais.
A doutora em Ciências Sociais e conselheira da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (
CTNBio),
Marijane Vieira Lisboa, alerta que a experiência com novas tecnologias aponta que, ao mesmo tempo em que elas resolvem problemas humanos e melhoram a qualidade de vida, também revelam - em geral, bem posteriormente - aspectos negativos impensados. Alguns exemplos são a relação entre mudanças climáticas e uso de combustíveis fósseis, a depredação da camada de ozônio e o uso de aerossóis, os agrotóxicos e as diversas doenças ocasionadas nos homens, entre outros.
"Por isso há a necessidade de uma cuidadosa avaliação sobre as vantagens oferecidas por uma tecnologia nova frente aos riscos potenciais. Uma rigorosa avaliação desses riscos, por sua vez, é praticamente impossível no caso de tecnologias tão novas quanto os transgênicos, pois seria necessário poder saber antecipadamente todos os possíveis efeitos colaterais que poderiam surgir para que se pudesse medir os seus riscos", ressalta.
Marijane alerta que, no caso dos transgênicos, não se tem adotado o mínimo de precaução. Os estudos feitos pelas empresas para avaliar a segurança dos produtos para a alimentação humana e animal são de curto prazo, com poucos animais e visando verificar algumas poucas alterações, segundo ela. "Por trás dos transgênicos existem cientistas cujas carreiras, laboratórios e instituições de pesquisas dependem do desenvolvimento de transgênicos.
As empresas de biotecnologia atuantes investem bilhões de dólares nessa pesquisa e desenvolvimento, não estando dispostas a perdê-los para aqueles poucos cientistas que investigam efeitos colaterais indesejados. Ou seja, não existe uma verdadeira controvérsia científica em torno dos transgênicos, pois os seus defensores se recusam a discutir seriamente os seus prováveis impactos e desqualificam sistematicamente os cientistas críticos. Basta consultar as atas da CTNBio para constatar como não há tal debate científico, em que pese os protestos de um pequeno número de cientistas e representantes de movimentos sociais que adotam uma atitude de precaução", assevera.
Relação de alimentos com OGM
De acordo com a doutora em Alimentos e Nutrição e membro da CTNBio,
Suzi Barletto Cavalli, ainda não há pesquisa científica na nutrição que traga informações detalhadas, como a descrição de quais são os elementos transgênicos que certo alimento possui, porque possui e quais são as alterações provocadas, além dos benefícios e malefícios dessas alterações, tanto no que diz respeito ao mundo dos produtores de alimento quanto dos consumidores.
As alterações mais comuns dizem respeito à implantação de fragmentos DNA de bactérias, vírus ou fungos no DNA da planta, codificando a produção de herbicidas. Assim, as plantas que receberam esses genes produzem toxinas contra as pragas da lavoura, não necessitando de certos agrotóxicos.
Há também produtos que são modificados para se obter maior valor nutricional, como o arroz dourado da Suíça, muito rico em betacaroteno, substância precursora da vitamina A.
Alguns vegetais são modificados para resistirem ao ataque de vírus e fungos, como a batata, o mamão, o feijão e banana. Outros são modificados para que a produção seja aumentada e os vegetais sejam de maior tamanho. E existem também alimentos que têm o seu amadurecimento prolongado, resistindo por muito mais tempo após a colheita.