O mundo estava acabando em 1915. A população de cavalos nos EUA tinha chegado
a um ponto insustentável. Eram 21 milhões de animais consumindo, cada um, 4
toneladas de comida por ano, entre grãos e alfafa. Um terço das terras
agricultáveis dos EUA estava dedicado à alimentação deles. Mas não dava para
viver sem cavalos. A agricultura dependia dos quadrúpedes. Sem cavalo para puxar
arado, você não tem plantio de larga escala. E sem plantio de larga escala não
dava para alimentar uma população mundial que já roçava a marca de 2 bilhões de
habitantes. Mas agora a conta ameaçava não fechar mais.
Era a profecia do economista Thomas Malthus virando realidade: a Terra não
teria condições de suportar bilhões de pessoas. Malthus tinha previsto isso lá
atrás, em 1798. Os donos do dinheiro não deram ouvidos. E agora, em pleno 1915,
era tarde demais. Mas não. Se você está lendo este texto agora é porque passamos
bem pela crise da superpopulação equina.
O herói que salvou o mundo dessa tem nome: petróleo. O motor à combustão
interna, na forma de tratores e carros, substituiu os cavalos. E o petróleo
tomou o lugar dos grãos e da alfafa no papel de fonte de energia, liberando
terras para o plantio de comida para humanos. De quebra, um subproduto da
produção de petróleo, o gás natural, virou a base para a produção de
fertilizantes – sem os quais não daria mesmo para alimentar bilhões de cabeças
humanas. E hoje uma parte razoável do que você come passou por uma fábrica de
fertilizantes antes de entrar na sua boca – carvão, gás e ar, a matéria-prima
dos insumos agrícolas, entraram para o nosso cardápio.
Ainda bem. O boom na produção de comida alimentou outro: a da produção de
riqueza na forma de bens materiais. Essa sim, e não a população, cresceu de
forma exponencial, como traduz o jornalista inglês Matt Ridley em seu livro
O Otimista Racional: “A classe média americana de 1955, luxuriante em
seus carros, confortos e aparelhos elétricos, hoje seria descrita como ´abaixo
da linha da pobreza` nos EUA. Hoje, dos americanos oficialmente designados como
pobres, 99% têm energia elétrica e geladeira, 95% têm televisão”. No Brasil, o
salto é até mais espantoso, já que nosso boom de produção de riqueza é bem mais
recente. Em 1992, um quarto dos domicílios não tinha televisão. Em 2009, 95,6%
tinham. A penetração das máquinas de lavar quase dobrou desde 1992 para cá: de
24% das casas para 44%. E tem os celulares. No ano 2000, a Finlândia chegava à
marca de um celular por habitante. Isso surpreendeu o mundo na época. Aí chegou
2010 e o Brasil ultrapassou essa marca. Agora temos 260 milhões de
linhas, ativas, para 195 milhões de habitantes. E estamos falando de uma
invenção que começou sua carreira como coisa phyna, só pra gente rica.
Mas agora essa massificação da prosperidade é a vilã. O discurso comum é o de
que, nesse ritmo, a Terra não aguenta. Haja lítio para tanto celular. Haja
carvão para tanto consumo de energia. Haja fertilizante para os trabalhadores
braçais que hoje se alimentam mais e melhor que o rei Henrique 8º. A conta
também não fecha mais para o motor de combustão interna. Nem para o carvão como
fonte de energia – não dá mais para brincar com as emissões de CO2, e com o
clima. E tem a água: a produção de um quilo de carne demanda 15 mil litros de
água. E com bilhões de Henriques 8ºs por aí, o planeta chia: hoje 2,7 bilhões de
pessoas sofrem com falta de água pelo menos durante um mês por ano.
Mas, de novo, não significa que Thomas Maltus estava certo. A tecnologia que nos livrou do caos lá atrás agora nos leva a outro caos. Ok. Só que já começam a pipocar soluções. Na ponta da energia, tem o “carvão limpo” – termelétricas que eliminam o CO2 da fumaça que emitem. Dá para cobrir os gastos com essa filtragem aumentando em 30% a conta de luz – indigesto, mas viável. E a fusão nuclear, que não deixa resíduos radiativos e promete energia virtualmente infinita, continua no horizonte. Na ponta da água, uma solução pode estar numa máquina criada pelo inventor do Segway, Dean Kamen: um aparelho capaz de transformar água salgada (e de esgoto e de rios poluídos) em água potável gastando relativamente pouca energia. Cada unidade, do tamanho de um frigobar, produz mil litros de água por dia – havendo eletricidade limpa e barata para esses “frigobares” trabalharem, vamos ter água para tantos quantos cavalos ou Heriques 8ºs existirem no mundo. Uma inovação leva à outra. Mas e aí? Tudo isso é a salvação da lavoura?
Não. Temos muito a resolver antes de decretar a viabilidade de um mundo para 10, 20 bilhões de pessoas. Mas iniciativas desse tipo mostram um ponto que pouca gente leva em conta: o de que a inventividade humana não é petróleo. Não é um recurso finito.
Mas, de novo, não significa que Thomas Maltus estava certo. A tecnologia que nos livrou do caos lá atrás agora nos leva a outro caos. Ok. Só que já começam a pipocar soluções. Na ponta da energia, tem o “carvão limpo” – termelétricas que eliminam o CO2 da fumaça que emitem. Dá para cobrir os gastos com essa filtragem aumentando em 30% a conta de luz – indigesto, mas viável. E a fusão nuclear, que não deixa resíduos radiativos e promete energia virtualmente infinita, continua no horizonte. Na ponta da água, uma solução pode estar numa máquina criada pelo inventor do Segway, Dean Kamen: um aparelho capaz de transformar água salgada (e de esgoto e de rios poluídos) em água potável gastando relativamente pouca energia. Cada unidade, do tamanho de um frigobar, produz mil litros de água por dia – havendo eletricidade limpa e barata para esses “frigobares” trabalharem, vamos ter água para tantos quantos cavalos ou Heriques 8ºs existirem no mundo. Uma inovação leva à outra. Mas e aí? Tudo isso é a salvação da lavoura?
Não. Temos muito a resolver antes de decretar a viabilidade de um mundo para 10, 20 bilhões de pessoas. Mas iniciativas desse tipo mostram um ponto que pouca gente leva em conta: o de que a inventividade humana não é petróleo. Não é um recurso finito.
Texto de Alexandre Versignassi - Superinteressante.com
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