terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Um mundo perdido sob a neve antártica

A camada de gelo de quase três quilômetros de espessura que recobre a Antártica esconde um passado muito diferente do deserto branco e gelado de hoje. O continente já abrigou uma densa floresta temperada onde viviam bizarras e gigantescas criaturas pré-históricas. Fósseis de árvores e de animais vem sendo desenterrados ali, revelando, a cada dia, uma natureza das mais exuberantes.
Durante boa parte do Cretáceo (144 a 65 milhões de anos atrás), e até há 50 milhões de anos, um clima bem ameno predominou na Antártica e favoreceu o crescimento de grandes árvores, com folhas de até 10 centímetros, e portanto, de animais, entre eles dinossauros e répteis igualmente grandes, e, posteriormente, mamíferos marsupiais. Atualmente, a média de temperatura registrada no verão é de 35 graus Celsius negativos no continente e 0 grau Celsius na península, o que torna a região praticamente inabitável.
— Dentre os vários mitos que cercam a Antártica, um dos mais recorrentes é achar que o continente sempre foi totalmente branco e estéril. Não é bem assim — explica o paleobiólogo Marcelo Leppe, chefe científico do Instituto Antártico Chileno. — Na maior parte do tempo, a Antártica foi verde e cheia de espécies. As últimas árvores desapareceram há 4,5 milhões de anos. Havia uma floresta temperada, similar à que existe hoje na área central do Chile, com araucárias e notofagus.
Um dos grupos que pesquisou a vegetação antártica foi do brasileiro Alex Kellner, do Museu Nacional. Em 2007, seu grupo passou 37 dias acampado na Ilha James Ross, de onde retirou nada menos que uma tonelada e meia de troncos de árvores — um deles com mais de quatro metros de comprimento, que se encontra em exibição no Museu Nacional, no Rio.
O continente também foi habitado por dinossauros e outros animais gigantescos. No mar, viviam verdadeiros monstros marinhos, como ictiossauros, plesiossauros e mosassauros.
Dragões de komodo pré-históricos
Os ictiossauros eram répteis carnívoros que mediam de 2 a 3 metros de comprimento, tinham um focinho longo e afilado, e barbatanas caudais e dorsais tal como os peixes. Embora apenas um fragmento fóssil tenha sido encontrado até hoje na Antártica, os especialistas acreditam que eles teriam sido comuns na região. Os plesiossauros vieram um pouco depois. Os répteis gigantes e carnívoros de pescoço longo chegavam a ter, em média, 5 metros de comprimento. O mais antigo fóssil de plesiossauro já achado na Antártica foi descoberto pelo grupo de Kellner; tem 80 milhões de anos.
E havia ainda o mosassauro, um gigante lagarto marinho.
— Eram criaturas enormes e monstruosas, parecidas com o dragão de Komodo de hoje, mas muito maiores — conta Leppe. — Somente o seu crânio media cinco metros. Eles comiam os plesiossauros. A Antártica era, definitivamente, um lugar muito mais perigoso que hoje.
Em terra, havia um carnívoro chamado de criolofossauro, um carnívoro, bípede e de braços curtos — uma espécie que vem sendo estudada por cientistas americanos e já ganhou o apelido de Elvis devido a uma espécie de penacho que tinha na cabeça.
— Ele era parecido com o Tiranossauro Rex, mas era um pouco menor e tinha uma espécie de crista na cabeça.
Saurópodes — os herbívoros de pescoço e cauda longas — também já foram achados por lá. Especialistas estimam que o continente guarde uma infinidade de espécies, inclusive algumas desconhecidas. O problema é que escavar na Antártica não é tarefa das mais fáceis. A logística necessária para trabalhar em condições tão inóspitas acaba encarecendo demais as operações.
O Chile tem dois importantes projetos de pesquisa sobre o tema, no qual trabalham 13 paleontólogos. Este ano, três deles estão no continente, escavando. No Brasil, Alexander Kellner tenta emplacar um novo projeto.
— Nossa ideia é ir mais para o sul, além de James Ross, e procurar tudo o que pudermos encontrar, mas em especial vertebrados fósseis — contou Kellner.
O clima mais ameno
A Antártica era unida aos demais continentes, na chamada Gondwana, e, por isso, seu clima era temperado. A separação só se configurou há 32 milhões de anos, quando a corrente fria que se dispersava pelo Oceano Pacífico passou a circundar a Antártica, isolando-a.
— Quando os continentes eram unidos, os animais antárticos entraram na América do Sul — explica Leppe. —Até o Sul do Brasil era dominado por espécies antárticas.
Isso explica como, por exemplo, já foram encontrados fósseis de mosassauros até no Nordeste brasileiro. Explica também porque as mais variadas espécies dos mais diversos continentes, como avestruzes, quivis e gnus têm sua origem rastreada até o continente.
Também havia uma intensa atividade vulcânica na própria Antártica — erupções lançam consideráveis volumes de CO2 na atmosfera, intensificando o efeito estufa natural e, assim, o calor. Estudos indicam que havia períodos bastante frios e longas noites polares, mas, ainda assim, nada comparável ao clima atual.




Nenhum comentário:

Postar um comentário