Com seus hospitais, postos de saúde e ambulâncias, as cidades são consideradas locais que ajudam a manter os humanos protegidos contra enfermidades. Principalmente se comparadas às florestas densas e inexploradas, com seus ambientes inóspitos e cheios de perigos. Mas estudos recentes demonstram que a mata pode ser muito mais benéfica do que as metrópoles para a manutenção da saúde humana. E essa proteção atende por um nome: biodiversidade.
Pesquisadores brasileiros e estrangeiros concluem que a presença de inúmeras espécies da fauna é fundamental para a proteção contra doenças infecciosas, transmitidas por animais. O fato já era perceptível por quem morava nas áreas desmatadas, mas agora os cientistas começam a desvendar o complexo sistema que fornece proteção por meio da biodiversidade. “Existem apenas alguns tipos de mosquitos que transmitem a malária. Se você conta com outros animais na mesma comunidade, eles irão ou comer o mosquito ou consumir as mesmas coisas que o inseto. Assim, o número de transmissores da moléstia diminui”, explica o pesquisador Matthew Bonds, do Departamento de Saúde Global da Universidade Harvard. Usando estatísticas, ele conclui que, quando um ambiente rico em biodiversidade perde 15% de suas espécies, o risco de doenças aumenta cerca de 30%.
Pieter Johnson, da Universidade de Colorado Boulder, nos EUA, demonstrou que isso se aplica a outros animais. Para tanto, recolheu girinos em um lago da Califórnia. Eles foram levados para lagos artificiais e infectados com os mesmos parasitas do ambiente de origem, mas com biodiversidade muito menor do que aquela encontrada em seu hábitat de origem. O resultado foi um número grande de sapos com mais pernas do que o normal, entre outras anomalias.
No Brasil, a coordenadora do Programa Biodiversidade e Saúde da Fiocruz, Márcia Chame, cita os estudos realizados pela fundação na Amazônia. Na floresta, o Trypanosoma cruzi (protozoário causador da doença de Chagas) vive disperso entre muitas espécies, como roedores, gambás, morcegos, primatas e insetos, mas em baixíssima densidade e sem afetar humanos. “Com a limpeza da mata para facilitar a coleta do açaí na região, muitos animais acabam mortos, o que deixa a região perfeita para apenas um dos hospedeiros do Trypanosoma cruzi: o barbeiro. Sem predadores e com sangue humano abundante para se alimentar, o inseto deixa um rastro de doença”, afirma a coordenadora.
VIZINHO INCÔMODO
Ao limpar terreno para cultivar açaí, moradores da Amazônia deixaram
o local livre para o barbeiro, transmissor da doença de Chagas
Ao limpar terreno para cultivar açaí, moradores da Amazônia deixaram
o local livre para o barbeiro, transmissor da doença de Chagas
Segundo Norma Labarthe, subcoordenadora do Probio II, programa da Fiocruz que procura assegurar a biodiversidade, uma boa analogia é a das vacinas. “Podemos pensar numa comunidade na qual metade das pessoas foi vacinada e a outra metade não. Nessa situação, quando um vírus infectar uma pessoa, ele terá 50% menos chance de sobreviver e se propagar do que se estivesse numa comunidade totalmente suscetível”, explica Norma. Isso mostra que a natureza já produz o ambiente “vacinado” que os humanos buscam desde a época de Louis Pasteur (1822-1895). Assim, quanto menos biodiversidade no planeta, mais a humanidade depende de cientistas como Pasteur para sobreviver.
IstoÉ
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