sexta-feira, 12 de junho de 2015

Cientistas transferem relógio biológico de um organismo a outro


Modelo tridimensional de uma bactéria Escherichia coli: experimento pode permitir que micro-organismo seja usado para liberar remédios em horários precisos no corpo, quando seriam mais eficazes
Foto: Latinstock
 
Quase todos os tipos de organismos da Terra, sejam plantas, animais, fungos ou até mesmo cianobactérias, têm um “relógio biológico” interno que regula sua vida, metabolismo e comportamento de acordo com os ciclos de 24 horas de rotação do planeta. É o chamado ciclo circadiano, que quando interrompido ou perturbado pode levar ao aparecimento de problemas e distúrbios que vão de maior risco no desenvolvimento de câncer à obesidade e o notório “jet lag” que afeta os viajantes. Isso faz com que seu estudo deste mecanismo seja muito importante e agora, pela primeira vez, cientistas mostraram ser possível “transferir” o relógio biológico de um organismos para outro.
Liderados pela pesquisadora Pamela Silver, da Universidade de Harvard, nos EUA, e umas das pioneiras na área de biologia sintética, os cientistas retiraram o mecanismo circadiano encontrado nas cianobactérias, que por realizarem fotossíntese são as únicas bactérias que se sabe terem um relógio biológico interno, e o transplantaram para uma bactéria da espécie Escherichia coli, que não tem naturalmente este relógio. Por ser muito bem conhecida e fácil de alterar geneticamente, a E. coli é um verdadeiro “cavalo de batalha” nas pesquisas sobre biologia celular.
- Ao encarar os sistemas na natureza como modulares, pensamos como engenheiros para manipular e usar circuitos biológicos de uma maneira previsível e programável – explica Pamela. - E o que é realmente notável é que demonstramos esta modularidade nos sistemas biológicos. Assim, este achado vai além da transplantabilidade do ritmo circadiano para abrir novas portas na compreensão sobre como outros circuitos biológicos modulares podem ser transplantados de uma espécie para outra.
No experimento, o circuito de proteínas responsável por regular as oscilações circadianas das cianobactérias foi inserido na E. coli conectado a genes produtores de proteínas fluorescentes, que “acendiam” cada vez que o ciclo era ativado. Isso fez com que as bactérias brilhassem de forma rítmica, numa impressionante confirmação visual do sucesso do procedimento.
- Uma aplicação dos sonhos seria administrar estas E. coli circadianas para um indivíduo na forma de uma pílula, o que permitiria sincronizar os ritmo circadiano a outros circuitos biológicos para liberar medicamentos em momentos muito precisos ou sentir e influenciar o ciclo circadiano do hospedeiro – diz Anna Chen, também da Universidade de Harvard e primeira autora do artigo sobre o experimento, publicado nesta sexta-feira no periódico científico de acesso aberto “Science Advances”.
Em humanos, estudos mostraram que o ciclo circadiano tem grande impacto no metabolismo. Além disso, sabe-se que muitos remédios, incluindo aqueles usados para tratar diversos tipos de câncer, têm sua eficácia afetada pela hora do dia e o ponto do ciclo circadiano em que o paciente está quando são administradas. Assim, ao usar estas bactérias circadianas em estratégias terapêuticas para influenciar o ciclo dos pacientes ou programar a liberação dos remédios em um ponto específico dele se poderia potencializar em muito os tratamentos.
- O ritmo circadiano tem um impacto enorme na nossa saúde e como reagimos ao nosso ambiente, então a oportunidade de mexer com este controle, usando a engenharia genética para refazer circuitos genéticos, abre novos e excitantes caminhos no tratamento de doenças e na regulação de uma ampla gama de nossos comportamentos fisiológicos – avalia Donald Ingber, professor da Escola de Medicina de Harvard e não envolvido diretamente com o experimento.

O Globo.com



 

 

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