sexta-feira, 20 de novembro de 2015

"É possível que Marte volte a ter vida"

 

A exploração espacial pode ser muito tediosa. Anos de negociações para conseguir o dinheiro necessário, cálculos exaustivos para colocar a sonda no planeta desejado, recolhimento de dados sobre percloratos, porcentagens de nitrogênio na atmosfera ou movimentos orbitais. Mas, depois, todos esses dados gélidos passam pela cabeça de pessoas como James Green, que os transformam em respostas a questões existenciais.
Green, que esteve em Madri para falar dos últimos achados sobre Plutão, convidado pela Obra Social La Caixa e o Planetário de Madri, é diretor da Divisão de Ciências Planetárias da NASA e expressa uma convicção quase temerária em que vai continuar a dar este tipo de resposta: “Eu disse a todos os cientistas planetários que planejo ser o diretor de ciências planetárias, como sou agora, quando encontrarmos vida fora da Terra, nos próximos dez anos”.
Pergunta. O que foi o mais surpreendente do que nos mostrou a passagem da sonda New Horizons por Plutão?
Resposta. Plutão é um objeto menor que nossa Lua, e quando olhamos objetos semelhantes no sistema Solar, normalmente as superfícies estão cheias de marcas de impactos. Esperávamos ver um corpo cheio de crateras, um mundo morto, não um ativo. Vimos algo completamente diferente, incrível. Vimos enormes calotas polares em forma de coração. Esses gelos são glaciais e se movimentaram pela superfície, arrastando as crateras e fluindo até vales. Também vimos que tem atmosfera, que é muito mais tênue que a nossa, mas é significativa. Nessa atmosfera se formam moléculas de carbono que chamamos de “tolinas” que se precipitam, como a chuva. Se você estivesse em Plutão, veria neve, algo que não acontece na Lua
Além disso, em Plutão há diferentes tipos de gelo. Vemos água gelada que forma montanhas, por isso deve haver algum tipo de atividade em Plutão que permitiu que a crosta tenha mudado e se movimentado. Vemos glaciais de nitrogênio. Está tão frio que o gás acaba se transformando em um sólido. Também vemos metano gelado. Há gelos de monóxido de carbono em quantidades importantes. Tudo isso corresponde a um mundo ativo, não a um mundo morto, e essa é a grande surpresa: que algo tão pequeno e tão distante seja tão ativo geologicamente.
P. Há mais interesse nessa parte do Sistema Solar depois dessa visita?
R. O cinturão de Kuiper, que está além de Plutão, tem esse nome porque Gerard Kuiper, nos anos 50 do século passado, propôs que deveria haver escombros para além dos planetas gigantes, restos da criação de nosso Sistema Solar. Mas até os anos 90 não começamos a ver objetos além de Plutão. Agora acreditamos que haja dezenas de milhares de objetos por aí afora e encontramos 1.500. A controvérsia sobre se Plutão é de fato um planeta começou com o descobrimento de um planeta chamado Eris, muito mais distante e maior que Plutão, mas agora que sobrevoamos Plutão sabemos que é ligeiramente maior que Eris, cerca de cinquenta quilômetros a mais.
P. Há outros objetos em estudo pela NASA que também nos possam contar a história sobre a origem do Sistema Solar?
R. Entre Marte e Júpiter, no cinturão de asteroides, há centenas de milhares de objetos, quase todos rochosos, mas também há alguns de gelo. Em dado momento pensamos que esses objetos fossem restos de outros maiores que colidiram e deixaram esses escombros, mas isso não é certo. Esses objetos estão tentando, na realidade, se tornar um planeta, mas Júpiter, que tem uma gravidade enorme, impede que consigam. Nessa região está Ceres, que sabemos que não foi criado onde está. É provável que fosse criado em uma zona mais distante, além de Netuno. É provável que seja um objeto do cinturão de Kuiper, como Plutão, e que seguiu na direção do interior.
Essa ideia de que os planetas se movem e não se formam no lugar onde estão hoje é relativamente nova. Ela começou a surgir a partir de nosso conhecimento sobre os exoplanetas. Vemos alguns sistemas solares nos quais há júpiteres gigantescos em órbitas ao redor de seu Sol mais perto do que está Mercúrio. Não podem ter se formado lá. Eles têm que ter se formado mais longe para depois migrar para o interior de seu sistema planetário.
Agora entendemos um pouco melhor as dinâmicas dos sistemas solares, e uma delas se chama ressonância gravitacional. Ocorre quando os planetas que se formam e se movem em torno de uma estrela trocam puxões e empurrões quando se cruzam. Às vezes, esses puxões e empurrões são tão grandes que podem tirar um planeta de sua órbita. Isso é o que acontece com esses júpiteres.
Para cada sistema solar onde vemos esses planetas imensos perto de sua estrela existe um planeta que foi expulso de seu sistema solar. Agora sabemos que existem planetas sem estrela, que estão vagando pela galáxia. E isso faz parte do processo de formação planetária.
P. Isso também aconteceu no nosso Sistema Solar?
R. Temos modelos matemáticos em que testamos se é possível que os planetas do nosso Sistema Solar tenham se formado onde estão agora, e Júpiter, Saturno, Urano e Netuno não podem ter se formado onde estão hoje. Decidimos tentar formá-los mais perto, todos dentro da órbita de Saturno, e quando fizemos isso funcionou. As interações gravitacionais empurram Júpiter para o interior e Júpiter empurra os outros planetas para o exterior. E isso acontece em nossos modelos ao redor de 800 milhões de anos após a formação dos planetas. Quando empurram para fora, o que está lá é o cinturão de Kuiper. Todos esses corpos gelados foram atraídos pela força da gravidade, e então se precipitaram sobre todo o interior do Sistema Solar.
Durante esse evento, acreditamos que bombardearam a Terra, Vênus e Marte, e trouxeram uma quantidade significativa de água e outros gases. Então, o nosso planeta pode ter água que procede dos confins do Sistema Solar, de mais longe do que Plutão. Calcula-se que até 60% da água no nosso planeta pode vir desse evento.
Agora sabemos que o nosso Sistema Solar mudou significativamente e as ressonâncias gravitacionais continuam acontecendo. Uma deles é a que acontece entre Júpiter e Mercúrio, e vai haver um momento em que a ressonância será tão grande que Mercúrio será expulso de sua órbita e do Sistema Solar. Quando isso acontecer é melhor a gente estar do outro lado do Sol.
Em muito pouco tempo nós descobrimos planetas que orbitam outras estrelas, ressonâncias orbitais que moldam sistemas solares e uma região inteira como o cinturão de Kuiper. E descobrimos, talvez, como se trouxe a vida para este planeta, junto com a sua água. Tudo em muito poucos anos.
P. Que tipo de vida pode ser encontrada em Marte?
R. Será microbiana, porque isso é provavelmente o que sobrevive hoje. Mas há muito tempo Marte se parecia com a Terra. Há três bilhões de anos, Marte tinha muita água, oceanos. Dois terços de seu hemisfério norte estavam submersos em água, e em alguns lugares com mais de um quilômetro e meio de profundidade. Tinha nuvens, chuva, rios que fluíam e chegavam ao oceano; um ciclo hidrológico completo. Portanto, não há razão para se pensar que Marte não abrigava vida. Depois, uma enorme mudança climática transformou um mundo aquático em um mundo seco como é hoje. Mas isso pode voltar a mudar. Em alguns bilhões de anos, a temperatura de Marte vai aumentar em cerca de sete graus, e isso derreteria as calotas de CO2, o que criaria um efeito estufa que derreteria a água congelada, e em Marte tem muita. E parte desses oceanos voltaria, e é possível que Marte volte a ter vida.
El País.com

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