A telinha emburrece? Seria o hábito de ficar sentado na poltrona em frente à TV um esporte de risco para o cérebro? Até hoje, a vida sedentária associada ao consumo de muitas horas de televisão estava relacionada com problemas de saúde com a mesma gravidade que a dependência do cigarro. Mas pode acontecer de o abuso da poltrona não estar danificando apenas os nossos corações, mas também a nossa massa cinzenta, segundo um estudo que acaba de dar um passo importante no sentido de relacionar esses maus hábitos à perda de capacidade intelectual. Neste sentido, convém não se esquecer que os brasileiros passam, em média, entre três horas a quatro horas e meia por dia diante do televisor.
Os pesquisadores, pertencentes a diversas universidades e instituições norte-americanas, acompanharam a evolução de mais de 3.200 adultos durante 25 anos (entre 1985 e 2011) para ver como eles eram afetados pelo consumo elevado de televisão e a ausência de atividades físicas. “Níveis reduzidos de atividade física e níveis elevados de consumo de televisão durante a juventude e a idade adulta estão associados a um rendimento cognitivo pior quando se atinge e meia-idade”, concluem os autores do estudo.
Especificamente, esses comportamentos estão associados ao fato de se ter uma velocidade menor de processamento de informações e uma pior capacidade cognitiva, como, por exemplo, a de memorizar um número de telefone ou seguir o fio de uma conversa sem se dispersar. Comparados com outras pessoas ativas e que viam pouca televisão, os mais sedentários demonstravam até o dobro de possibilidade de atingir resultados fracos em diferentes testes para medir o estado do cérebro.
Embora a soma desses dois fatores determinasse os piores resultados intelectuais ao final de um quarto de século, os resultados são inferiores naquelas pessoas que passavam mais tempo diante da TV do que naquelas que faziam pouco exercício físico. Os resultados, publicados na revista JAMA Psychiatry, consideram que um consumo de televisão acima de três horas diárias significa um risco para a saúde intelectual.
“É um dos primeiros estudos que demonstram que esse tipo de comportamento de risco pode ser alvo fundamental para prevenir o envelhecimento cognitivo, antes mesmo de se atingir a meia-idade”, garantem os pesquisadores. Como uma explicação possível, eles sugerem que a atividade física durante a idade adulta pode preservar a capacidade intelectual e contribuir para a produção de neurônios e para o bom estado de suas conexões, particularmente em regiões do cérebro associadas à função executiva e à velocidade de processamento dos pensamentos.
“Estudos fisiológicos indicam que comportamentos sedentários, como ver televisão, afetam negativamente a função metabólica por meio de um aumento da pressão arterial, assim como dos níveis de lipídios e glicose. Assistir televisão pode estar associado também a diferentes padrões cognitivos e sociais, depressão e padrões dietéticos pobres”, propõem os autores da pesquisa como uma explicação possível para o fenômeno.
O estudo possui uma nuance, que consiste em afirmar, cautelosamente, que “correlação não significa causalidade”, pois se trata de duas situações que podem significar uma via de mão-dupla, como admitem os seus próprios autores: as pessoas sedentárias apresentam resultados intelectuais piores e vice-versa, como se constatou em outros estudos, de onde se conclui que os dois fatores poderiam, na verdade, se retroalimentar. Os autores garantem que, dada a pouca idade dos participantes da pesquisa e o fato de eles terem permanecido no projeto durante 25 anos indica que “seja pouco provável que tenham registrado déficits cognitivos significativos”.
Nesse sentido, Juan Ramón Barrada, professor da Universidade de Zaragoza, na Espanha, vê o trabalho de forma crítica: “É um estudo bom, mas ele não garante que os problemas não estejam presentes desde a origem”. “Não sabemos se quem tinha um nível inferior de atividade física já não apresentava uma capacidade cognitiva menor aos 25 anos (média de idade por ocasião da primeira coleta de dados). Talvez essas pessoas já fossem diferentes nessa idade”, raciocina Barrada, que não participou do estudo e é especialista em medição e avaliação psicológicas.
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