domingo, 9 de junho de 2013

Viagem de 500 anos - Mary Rose: os segredos revelados do navio Tudor

Ninguém jamais ousaria imaginar, em 1509, que o então recém-inaugurado navio de guerra inglês, Mary Rose, um dos mais importantes da frota do rei Henrique VIII, um dia viajaria longe o suficiente para chegar ao século XXI. Esta poderosa máquina de guerra lutou e venceu várias batalhas contra os mais diversos inimigos de seu país por pouco mais de três décadas. Mas não sobreviveu para ver os 30 mil soldados franceses e seus 200 navios se renderem aos 19 mil ingleses, com suas 20 embarcações, na batalha de Solent (quando a França tentou, sem sucesso, invadir a Inglaterra): naufragou na véspera, no dia 19 de julho de 1545.
Mais de 500 anos depois, de volta a Portsmouth, na Inglaterra, de onde saiu para o oceano pela primeira vez, tornou-se uma espécie de cápsula do tempo e, depois de décadas de pesquisas, ganhou um museu que acaba de ser inaugurado. Resgatados do fundo do mar, a partir de escavações arqueológicas consideradas as mais profundas de que se tem notícia, ele e os 19 mil objetos que afundaram séculos atrás com a embarcação têm a missão de reconstituir a história de uma era.
— É algo totalmente inédito. O Mary Rose e os objetos que viajavam com ele nos dão uma visão única da vida cotidiana no período dos Tudors. Não há nada similar. É único não só pela abrangência da coleção, mas pela sua capacidade de retratar uma era — disse o arqueólogo Christopher Dodds, diretor de Interpretação do museu Mary Rose, à frente do projeto desde o seu inicio.
O minucioso quebra-cabeça montado pelos cientistas permitiu não apenas reproduzir hábitos, mas rostos de parte dos cerca de 500 tripulantes que morreram a bordo do navio, além de um cachorro. O trabalho foi feito por médicos forenses, habituados a lidar com vítimas de assassinatos. Não há listas nem nomes dessas pessoas, mas sete delas ganharam corpos e passaram a representar a cara do naufrágio na exposição permanente. Estudos arqueológicos indicam que eram homens e meninos entre 12 e 40 anos. Não há indícios da presença de mulheres, nem de objetos que fizessem os navegadores de se lembrar delas.
— Carregar fotos ou outros tipos de recordação da família era mais uma coisa da nobreza. Não encontramos nada referente a mulheres, mas itens relacionados à religião — conta Dodds.
Apaixonado pelo resultado final da empreitada, o arqueólogo destaca que não há réplicas no museu. Todos os objetos são originais, o que faz do navio uma verdadeira máquina do tempo. O mais impressionante é que não se trata apenas de uma coleção completíssima de instrumentos musicais ou equipamentos de medicina da era Tudor, nem objetos de madeira e cobre, ou artigos pessoais. Recuperaram-se detalhes tão pequenos como o que estavam comendo a bordo.
Além das armas e armamentos já conhecidos do período, objetos pessoais encontrados em baús intactos ajudam a identificar as particularidades da tripulação, como se vestiam e o que faziam para se divertir.
— O Mary Rose te leva de volta ao passado. Estamos falando de objetos originais, num momento em que há tantas reproduções feitas em computador no mundo, em Hollywood — afirma. — Havia restos de espinhas de peixe, por exemplo.
Se a exposição "In fine style: the Art of Tudor e Stuart Fashion" (Em alto estilo: a arte da moda dos Tudor e dos Stuart), que acaba de estrear na Queen's Gallery do Palácio de Buckingham, em Londres, é o retrato fiel da moda da corte dos Tudors, pelas telas de artistas, de membros da nobreza, o Mary Rose vai muito além. Ele reconstituiu uma sociedade inteira. É como se o visitante pudesse entrar nos retratos da época. Esta é uma das suas grandes virtudes, na avaliação de especialistas. O historiador David Starkey o chamou de "Pompeia britânica".
Uma espécie de Titanic do século XVI, o Mary Rose era para a sua época um exemplo de modernidade. Equipamentos garantiram sua sobrevida por 34 anos, o que era muito tempo para o um navio de guerra do período. A diferença é que o Titanic foi feito para os cruzeiros de luxo. A bordo do navio cujo naufrágio foi tema de filmes e marcou o século XX, morreram centenas de tripulantes e passageiros que faziam uma viagem luxosa até o momento em que baterem contra um iceberg numa noite de lua cheia.
O Mary Rose permaneceu no fundo do mar por pelo menos 300 anos sem que se tivesse notícias do seu paradeiro. Algumas peças chegaram a ser encontradas pelos mergulhadores John e Charles Deane em 1836. Pouco depois, perdeu-se de vista novamente por mais um século. Somente a partir de 1971 as buscas voltaram a ser feitas. Mesmo assim, lentamente.
Centenas de pessoas trabalharam neste projeto que levou década para ser finalizado. Estima-se em 28 mil o número de mergulhos realizado por 500 profissionais. Não há estatísticas para os custos de pesquisa desde os primeiros mergulhos. Mas o museu custou 27 milhões de libras (ou cerca de R$ 90 milhões) e a manutenção do navio, que precisou ser umidificado com água fresca durante 30 anos para depois ser encerado, saiu a 8 milhões de libras (pouco mais de R$ 26 milhões). O contribuinte britânico não pagou um tostão. Os recursos vieram de parcerias e doações.
— Estamos falando aqui do trabalho não apenas de arqueólogos, mas de mergulhadores, museólogos, restauradores, publicitários, arquitetos, designers, engenheiros, administradores, economistas, o pessoal que levantou dinheiro, que vendeu ingressos — comemora Dodds.
O Titanic também acaba de receber um museu milionário na cidade de Belfast, na Irlanda do Norte, onde foi construído. O acervo são as histórias, estatísticas e as reproduções do ambiente a bordo do navio e da sociedade da época, além de algumas peças originais.




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