No imaginário popular, o perfil do arqueólogo talvez ainda seja inspirado em Indiana Jones, com sua calça cáqui, camisa amarrotada, chapéu e o inseparável (e inútil) chicote. É certo que o personagem de Hollywood inspirou gerações, mas, hoje, os profissionais que desenterram segredos do passado contam com um arsenal tecnológico de fazer inveja a qualquer geek. Pesadas mochilas lotadas de equipamentos foram substituídas pelo multifuncional smartphone. Drones aquáticos exploram fundos de rios, mares e lagos com facilidade e, do ar, drones voadores são equipados com sensores de mapeamento a laser. Essa parafernália high-tech, além de tornar mais fácil as pesquisas, pode acelerar o ritmo de descobertas.
— Chicote, não tenho — brinca Arturo Montero, um dos principais nomes da arqueologia mexicana, especialista em civilizações pré-colombianas. — Minha principal ferramenta de trabalho é um iPhone.
Provas de que a tecnologia vem revolucionando a arqueologia são as recentes, e até inesperadas, descobertas em sítios há muito conhecidos. No início de setembro, pesquisadores revelaram a existência de um imenso monumento de pedras a menos de três quilômetros de Stonehenge, no Reino Unido. A estrutura nunca fora encontrada por estar soterrada, mas radares de penetração indicaram a presença de mais de 90 rochas enfileiradas, algumas com até 4,5 metros de altura. Este mês, um escaneamento tridimensional de alta resolução da tumba de Tutancâmon, descoberta em 1922, indicou a presença de passagens para duas câmaras secretas. Na semana passada, o governo egípcio autorizou o uso de radares de penetração no túmulo no Vale
dos Reis. Uma das teorias aventa que as salas seladas escondem o túmulo de Nefertiti.
No início da carreira, há quase três décadas, Montero carregava nas costas cerca de 35 quilos em equipamentos para as expedições em campo. Teodolito (equipamento para medir ângulos verticais e horizontais), câmera fotográfica, filmadora, cadernos de anotação, bússola e trena estão entre as ferramentas que foram substituídas por um iPhone 5 de 64 GB. Agora, todos os instrumentos de trabalho podem ser transportados nos bolsos. Além do smartphone, o arqueólogo leva consigo um celular via satélite, localizador de emergência, GPS externo, câmera GoPro, pau de selfie para observar locais
de difícil acesso e baterias extras.
A redução no peso facilita a mobilidade, mas a tecnologia traz ainda outras vantagens. Montero desenvolveu uma aplicação para o programa FileMaker que o permite catalogar facilmente suas fichas de campo. Antes, o arqueólogo mexicano precisava recolher todas as evidências — coordenadas geográficas, fotos, vídeos, anotações, temperatura e altitude, entre outras informações — no campo e, após retornar ao escritório, catalogá-las. Agora, basta clicar na tela do smartphone para criar uma ficha e todos os dados são inseridos in loco. E com uma conexão à internet, os arquivos são enviados ao laboratório, permitindo que pesquisadores façam a análise do material em
tempo real.
— Um trabalho que levava um ano, agora leva um mês — avalia Montero. — O custo também baixou muito. Com US$ 1 mil, tenho um equipamento que custaria US$ 10 mil se tudo fosse comprado separadamente.
O investimento maior é no smartphone. Nele, é possível ter acesso a aplicativos que substituem à altura ferramentas essenciais para a arqueologia. O mais básico é o Google Earth, que fornece gratuitamente o acesso a imagens de satélite. GPS, teodolito e telêmetro também têm substitutos digitais. Os mapas celestes do “computador de mão” foram importantes para que Montero realizasse sua maior descoberta: a passagem zenital do Sol sobre a pirâmide de Kukulkán, na antiga cidade maia de Chichén Itzá, em Yucatán.
Pela observação astronômica, Montero descobriu que nos dias 23 de maio e 19 de julho o Sol passa exatamente em cima da pirâmide ao meio-dia,
fazendo com que ela não projete sombras a esta hora. E, do alto da construção, apenas nessas datas, é possível seguir o caminho do astro conectando importantes construções em Chichén Itzá. É provável que esta coincidência tivesse importância religiosa para os maias e servisse como marco para correção do calendário.
— Minha especialização é em astroarqueologia — diz Montero. — Com esses aplicativos, consigo saber onde um corpo celeste estava em uma data específica.
ACHADOS À DISTÂNCIA
O franco-americano Benoit Duverneuil também aposta na tecnologia para facilitar o trabalho de arqueólogo. Em 2010, ele fundou a organização sem fins lucrativos Aerial Digital Archaeology & Preservation, que visa a ensinar a arqueólogos e historiadores o uso de drones em pesquisas. Desde então, cerca de cem profissionais já foram treinados. As pequenas e acessíveis máquinas voadoras podem ser equipadas com câmeras e filmadoras ou instrumentos mais específicos, como radares de penetração para investigação do subsolo, ou sensores a laser para mapeamento tridimensional.
Duverneuil tem formação em ciências da computação, faz dinheiro no mercado de tecnologia e usa o tempo livre para explorações, sobretudo em ruínas pré-colombianas no Peru e no Equador. Um trabalho de destaque foi a criação de um drone aquático, usado para fazer o primeiro mapeamento do fundo do lago Quilotoa, nos Andes Equatorianos.
— As tecnologias estão convergindo, agora os drones fazem parte do kit do arqueólogo — avalia Duverneuil. — Os sensores estão miniaturizando e podem ser colocados em drones. Isso pode dar um impulso para a arqueologia não invasiva.
Mas, diferentemente de Montero, Duverneuil não vê apenas vantagens no barateamento e aumento de produtividade promovidos pela tecnologia. Na sua opinião, drones e outros equipamentos estão sendo adotados, em parte, pela pressão dos contratantes, que exigem mais produção em menos tempo, e com menos dinheiro.
— Está acontecendo uma mudança de contexto. Tudo precisa ser rápido, inclusive as análises arqueológicas — diz.
E não é apenas a produção. A circulação de informações está mais ágil. Escâneres tridimensionais com resolução micrométrica permitem, por
exemplo, que uma peça encontrada na Colômbia seja transferida digitalmente para um pesquisador em São Paulo. E com a impressão 3D, o arqueólogo pode manusear o achado sem ter que se deslocar até o sítio
Essas técnicas estão sendo importantes para a conservação dos achados — comenta Paulo Zanettini, doutor em Arqueologia pela USP e diretor da Zanettini Arqueologia. — Nós realizamos uma exposição em São Paulo na qual os visitantes podiam tocar em réplicas perfeitas feitas com a impressão 3D.
Contudo, os três pesquisadores fazem questão de destacar que a tecnologia, por si só, não faz ciência. É o homem, e sua paixão pela exploração, que guiará as futuras descobertas.
— A tecnologia pode ser um deleite, mas é preciso ter em mente que a arqueologia serve para as sociedades conhecerem o passado para pensarem o presente e o futuro — diz Zanettini. — Fechar os olhos para a tecnologia seria como se negar a usar um computador. São ferramentas, para serem usadas criativamente. A boa ciência vai se valer de tudo o que estiver disponível.
O Globo.com
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