segunda-feira, 11 de junho de 2012

A natureza CRIA, a gente COPIA

Quando o cientista Marc Meyers, da Universidade da Califórnia, viu, em um rio da Amazônia, peixes pirarucus que conseguiam viver em lagos repletos de piranhas, soube que estava diante de uma grande descoberta. O seu faro dizia que havia algo especial na proteção daqueles corpos. Levou amostras dos peixes para seu laboratório, nos EUA, e iniciou os testes. Com um aparato que simulava a mordida da piranha nas escamas do pirarucu, percebeu que, no que o predador abocanhava, seus dentes se quebravam antes mesmo de atingir o tecido muscular.
        Procurando a razão dessa resistência, Meyers constatou que as escamas tinham duas camadas: uma externa, com muito cálcio e por isso dura; e outra interna feita de fibras de colágeno, um material maleável e ao mesmo tempo firme, presente nas circulações dos seres humanos. E aí morava o truque. O colágeno, segundo o cientista, daria uma flexibilidade ao revestimento do pirarucu. Fazia com que, diante de uma tentativa de perfuração, a carcaça se acomodasse ao golpe sem trincar e quebrar. Uma espécie de cerâmica flexível.
        Mas isso era só o começo da história. Meyers estuda, desde o começo do ano, uma imitação dessa “cerâmica molenga” para criar peças de proteção para veículos. E não só carros. Dada a alta resistência do material, seria possível até blindar espaçonaves contra o choque de meteoritos e lixos espaciais.
        Claro, o projeto de carrocerias indestrutíveis é algo distante. Mas Meyers dá os primeiros passos para o que os cientistas chamam de “revolução biomimética” (bio: vida; mimétic: imitador). Consiste na cópia das propriedades da natureza para resolver problemas da sociedade, como a produção de energia. Além de melhorar tecnologias já existentes.
A grande missão desse grupo de biomiméticos é unir biologia, engenharia, design e arquitetura para levar o desenvolvimento sustentável ao próximo nível. Para eles, o conceito que temos de sustentabilidade hoje não é mais suficiente. “Um prédio sustentável, que usa menos energia gerada a partir de fontes não-renováveis e polui menos, é apenas uma forma de suavizar os males causados ao meio ambiente”, diz o arquiteto inglês Michael Pawlyn, dono de escritório especializado em projetos que imitam a natureza desde 2007. “A estrutura ainda polui, e a energia usada é suja.” Só a invenção de soluções biomiméticas poderosas, afirma, podem regenerar o mundo.
        De acordo com o arquiteto, a tecnologia verde do futuro vai permitir, por exemplo, o aparecimento de prédios que reduzem a poeira, aumentam a produtividade, geram a própria energia e são construídos a partir de matéria bruta abundante na natureza. “Vamos sair de um nível estático de consumo dos recursos naturais para sermos produtores dinâmicos”, diz.

IMITAR E ADAPTAR
Comprovando que a previsão não é exagerada, Harry Brumer, químico da universidade canadense de British Columbia, organizou, em março, um simpósio sobre biomimética na Sociedade Americana de Química, nos Estados Unidos. O encontro apresentou 20 projetos. O mais falado deles, encabeçado pelo químico finlandês Olli Ikkala, da Universidade de Aala, mostrou um novo material chamado aerogel, inspirado nas características que permitem alguns insetos andarem na superfície da água sem afundar, e na resistência e na leveza da madeira.
O material, feito à base de celulose, seria tão leve e tão resistente que um barco feito com 1 quilo de aerogel é capaz de suportar 1.000 quilos na água. No futuro, pode substituir plásticos e borrachas de pneus — feitos de petróleo. “Nossa revolução está no entendimento das formas e funções dos sistemas biológicos, o que promove o desenvolvimento de novos materiais”, diz Brumer. Mas, embora pareça fácil imitar a natureza, a tarefa é bem complexa. Algumas propriedades dela parecem impossíveis de copiar.
        Veja o caso da folha artificial. Com a intenção de produzir energia usando apenas água, gás carbônico e luz do sol, é considerado o projeto mais importante em andamento. “É o objetivo máximo contra a crise energética do planeta”, diz o americano Daniel Nocera, engenheiro catedrático do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos EUA. Nocera criou uma folha artificial 10 vezes mais eficiente que a natural por 45 horas sem perder capacidade. O problema foi que, nos testes, todos os materiais usados para a fotossíntese artificial foram corroídos pela água depois de certo tempo. Isso significa que as folhas criadas em laboratório podem ser menos estáveis que as células fotovoltaicas já disponíveis no mercado.
        A gestora de recursos naturais Janine Beyus, criadora do termo biomimética em 1997, acredita que são obstáculos superáveis. “Somos uma espécie com capacidade de adaptação impressionante.” Para ela, os inventos inspirados na natureza devem ser a saída para a vida na Terra. “O planeta não vai suportar outra geração de invenções que desgastarão recursos naturais”, diz. “Nossas ideias devem se pautar pelas lições aprendidas em 3,8 bilhões de anos de evolução.”
Galileu.com

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