domingo, 3 de junho de 2012

Cafeína na água

— Entre junho e outubro de 2011, os pesquisadores coletaram a água fornecida por 16 capitais brasileiras que somam 40 milhões de habitantes, como São Paulo, Rio e Brasília. As coletas ocorreram em diferentes pontos das cidades, no hidrômetro das residências.
Porto Alegre apresentou o maior nível de cafeína na água. Chamou atenção que as três estações pesquisadas tiveram índices elevados, da ordem de centenas de nanogramas por litro (o valor exato ainda não é divulgado, porque será incluído em uma tese que exige ineditismo)
— Índices altos de cafeína são considerados excelentes indicadores da presença de outros componentes, não proibidos pela legislação, mas que se suspeita serem nocivos à saúde.
O Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas, sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coletou e analisou, em parceria com um conjunto de universidades, amostras da água fornecida em 16 grandes capitais brasileiras.
A cafeína, em si, não é prejudicial. Mas sua presença nos níveis detectados (da ordem de centenas de nanogramas por litro) significa, segundo os pesquisadores, que o manancial usado no tratamento está comprometido pela poluição e que a água oferecida para consumo humano tem alta probabilidade de conter contaminantes potencialmente perigosos.
— Analisamos a água de três estações de tratamento de Porto Alegre e achamos concentrações preocupantes de cafeína em todas. É preciso investigar isso. Nos últimos anos, descobriu-se que a presença de cafeína está associada à contaminação por mais de 500 substâncias sobre as quais ainda não existe legislação — alerta o professor Wilson de Figueiredo Jardim, coordenador do estudo.
Conforme Jardim, um bom sistema de tratamento de esgoto remove 95% da cafeína despejada pela população. Boa parte do que resiste a esse processo é eliminado depois, quando a água é processada para consumo humano. Mas se o esgoto não é tratado, como ocorre na maior parte do Rio Grande do Sul, a cafeína acaba chegando à água tratada. Com ela, vêm hormônios (a maior parte eliminados na urina e nas fezes de milhões de mulheres que usam pílulas anticoncepcionais), atrazina (um herbicida), fenolftaleína (laxante) e triclosan (um bactericda presente em sabonetes, desodorantes e enxaguatórios bucais).
Ainda se sabe pouco acerca do efeito desses componentes sobre seres humanos, mas há suspeita de que possam estar associados a problemas sérios de saúde. Por causa dessas substâncias, o meio científico já discute se há necessidade de criar novos referenciais sobre o que deve ser considerado água potável.
— As concessionárias dizem, com razão, que atendem à portaria que reza sobre a potabilidade da água. Ocorre que o compromisso das concessionárias não é só atender à portaria, mas zelar pela saúde da população. As companhias de abastecimento têm de deixar a postura de avestruz, de fazer de conta que o problema não existe. A água que é fornecida hoje tem componentes que ainda não são proibidos, mas que não deveriam estar lá. Temos de trabalhar para mudar a legislação e para rever o conceito de tratamento da água, com adoção de tecnologias melhores — defende o pesquisador da Unicamp.
O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) não faz monitoramento da presença de cafeína na água, mas afirma estar atento à questão dos contaminantes emergentes. O diretor-geral do órgão, Flávio Presser, diz que não há motivos para a população se preocupar, porque a água fornecida em Porto Alegre obedece a todos os padrões estabelecidos.
— Tudo o que apareceu é traço do traço. Só uma análise muito precisa, feita para uma tese de doutorado, consegue medir isso. O aparecimento dessas substâncias é resultado de mudanças nos hábitos de consumo. O que se tenta agora é verificar em que níveis elas podem trazer prejuízo a populações humanas. É uma coisa que ninguém definiu ainda. Temos de descobrir os limites que atingem a saúde antes de ultrapassá-los e chegar a novos métodos de tratamento da água. Mas isso é coisa lá para a frente — diz Presser
Efeitos de contaminantes ainda são desconhecidos
A ciência despertou há pouco para o problema dos contaminantes emergentes. Um dos brasileiros que investigam o tema é o professor Ricardo Luvizotto Santos, coordenador do curso de oceanografia da Universidade Federal do Maranhão. Ele estudou o efeito que hormônios femininos como o estrógeno, que chegam aos rios pelo esgoto, têm em populações de peixes. Em um dos trabalhos, Luvizotto cultivou peixes em água retirada do Rio Monjolinho, em São Carlos (SP). Em outro, coletou tilápias do Rio Bacanga, de São Luís (MA). Nos dois casos, descobriu que os machos passaram a produzir proteínas tipicamente femininas.
— Esse processo é conhecido como feminilização e pode trazer consequências sérias na capacidades da reprodução das espécies que vivem em rios poluídos. Também significa que há presença de hormônios no ambiente em quantidade suficiente para causar um efeito de magnitude, que pode afetar outros animais e pessoas — explica o pesquisador.
O que ainda não está claro é o impacto que consumir água com hormônios femininos pode ter na saúde humana. No entanto, sabe-se que mesmo em quantidades minúsculas eles são muito bioativos e que têm capacidade de provocar alterações no sistema endócrino.
— Não há estudos conclusivos, porque estamos expostos não só a hormônios, mas a muitos outros componentes. Há, porém, indícios de que os hormônios na água possam estar associados a câncer de colo do útero, de próstata e de mama, endometriose, puberdade precoce nas meninas, diminuição do tamanho do pênis e redução da contagem de espermatozoides — afirma Luvizzoto.
Apesar da preocupação crescente entre os cientistas, a análise de contaminantes como os hormônios não figura na portaria 2.914, publicada no ano passado para regular a qualidade da água no país. Ellen Pritsch, integrante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) e integrante da comissão que elaborou o documento, afirma que ainda não há elementos para justificar a medição de contaminantes emergentes na água tratada.
— Analisamos alguns desses estudos, mas eles não foram suficientes, em nosso entendimento, para motivar uma obrigatoriedade, do Oiapoque ao Chuí, de se fazer uma série de provas adicionais. Há uma infinidade de compostos que podem aparecer — justifica.
O texto da portaria, no entanto, prevê a possibilidade de análises complementares se houver suspeita de contaminação.
Então, ESSA É A ÁGUA QUE BEBEMOS???!!!
Jornal Zero Hora - 03/06/12

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