Marginalizados e dispersos pelo mundo há séculos, os ciganos têm lições valorosas a nos ensinar sobre paz, desprendimento e autenticidade.
Bastava que um cigano pobre se aproximasse de Hadareni, cidade romena no coração da Transilvânia, para que os sinos de uma igreja tocassem em acintoso alerta. Os indesejáveis estavam chegando. O tratamento não é muito diferente em outros lugares e períodos. Aliás, chega a ser pior, como durante os 400 anos de escravidão na própria Romênia durante a Idade Média.
E a longa tragédia cigana avança história adentro. Apesar da conhecida perseguição dos asseclas de Hitler contra os judeus e homossexuais durante o Terceiro Reich, não foram somente eles que sofreram as atrocidades promovidas pelas infames hordas nazistas. Nessa mesma época, centenas de milhares de ciganos perderam a vida em campos de extermínio meticulosamente concebidos pela máquina de destruição nazista. O horror da guerra, do preconceito e da violência redundou em muitas mortes entre esse povo desterrado.
Engana-se quem acredita que tudo isso são águas passadas. Que o mundo de hoje, bafejado pelos ventos do multiculturalismo e do relativismo cultural, aceite de bom grado a colorida (e não raro ruidosa) presença cigana. Em 2010, o presidente francês Nicolas Sarkozy deu uma significativa amostra de que o milenar povo nômade continua indesejado por muitos no país que foi o berço do ilumunismo e da igualdade entre os povos.
O bloco europeu foi contra, mas ainda assim o governo francês bateu pé e mandou cerca de mil ciganos de volta à Bulgária e à Romênia. Tentando justificar a expulsão, Sarkozy associou todos os andarilhos a crimes como tráfico e prostituição.
Essa perseguição também milenar, talvez explique a aura nostálgica da complexa alma cigana e sua estranha jornada rumo a lugar nenhum. "Os ciganos não têm casa, e, talvez únicos entre os povos, não sonham com uma terra natal", observa a escritora uruguaia Isabel Fonseca, autora do livro "Enterrem-me em pé", uma mescla de ensaio e relato de campo sobre a vida desses cidadãos indesejáveis, defendendo a tese de que os ciganos - ou os roma, como preferem ser chamados - são "os novos judeus da Europa".
Isso porque durante séculos eram os judeus os verdadeiros bodes expiatórios do perverso imaginário europeu. Havia uma peste, era culpa deles. Crianças morriam, culpavam-se os descendentes de Abraão. Entretanto a escritora destaca uma diferença fundamental: Enquanto os judeus montaram uma grande "indústria da memória" das perseguições sofridas, os ciganos têm como base de sua cultura a "arte de esquecer". Observa-se a quantidade de filmes e livros sobre os padecimentos do povo judeu. Há muito material - e isso é essencial para que não se perpetue novas atrocidades. Os ciganos nunca foram inspiração para um filme como "A Lista de Schindler", por exemplo. Isso porque os ciganos representam a maior minoria do mundo. São aproximadamente 12 milhões em todo o planeta. Estima-se que cerca de 8 milhões estejam zanzando pela Europa.
Os ciganos não têm uma origem definida. Acredita-se que tenham saído da Índia há mil anos em uma caravana sem destino certo. Por isso mesmo, possuem uma cultura povoada por mistérios e figuras míticas como as belas mulheres que dançam ao pé da fogueira ao som de violinos ao luar.
Apesar de perseguidos, marginalizados e espalhados em diáspora há séculos, os ciganos são detentores de uma cultura cheia de magia, danças e cantos, e possuem lições valorosas sobre vida, paz e liberdade, simplicidade e desapego. O povo sabe que a vida acontece aqui e agora. É essencial ter fé no amanhã, mas é imprescindível viver o presente.
Sem uma religião estabelecida, os ciganos são muito ligados à natureza, dedicando-lhe gestos de devoção. Fazem reverência ao Sol, à Lua, às estrelas, às águas dos rios e mares, rezam ao fogo (que segundo eles contém o poder de purificar).
Eles tiram vantagem da ambiguidade acerca de suas próprias origens, afinal, podem escolher aquilo que eles desejam ser.
Fonte: R. Vida Simples
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