Passadas algumas semanas do rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco – pertencente à Vale e à BHP Billiton – ainda estamos longe de dimensionar as reais consequências dessa tragédia. Os impactos humanos e sociais são imensuráveis, mas para alguns outros aspectos começamos a encontrar as primeiras respostas, como o quanto de vegetação nativa da Mata Atlântica foi destruída diretamente pela lama.
Uma análise de imagens de satélite do antes (25 de setembro) e depois (12 de novembro) mostra que a lama de rejeitos impactou uma área de 1.775 hectares (ha), ou 17 km2, em cinco municípios mineiros – Mariana, Barra Longa, Rio Doce, Santa Cruz do Escalvado e Ponte Nova. A maior parte dessas áreas já eram alteradas por pasto, agricultura ou ocupação humana. Mas a lama atingiu também importantes trechos de vegetação nativa, destruindo pelo menos 324 ha de Mata Atlântica. Em Mariana, foram 236 ha de remanescentes florestais e 85 ha de vegetação natural (porte arbóreo com menor grau de conservação existente nas margens dos rios). Outros 3 ha de vegetação natural foram destruídos em Barra Longa.
A região analisada corresponde à área a partir da barragem de Bento Rodrigues, onde ocorreu o rompimento, até a represa da Usina Candonga (UHE Risoleta Neves), no município de Rio Doce. Isto porque a usina absorveu o impacto da onda de lama que afetou a área do entorno dos rios. Após a represa, o impacto foi no leito do rio, na qualidade da água e no deslocamento de sedimentos, não havendo remoção de vegetação nas margens dos rios, ou ao menos na escala do estudo, que considerou áreas com no mínimo 1 há.
O levantamento é da Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e a empresa de geotecnologia Arcplan. A análise teve como base o “Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica”, desenvolvido anualmente por essas organizações, com patrocínio do Bradesco Cartões, e que utiliza a tecnologia de sensoriamento remoto e geoprocessamento para monitorar remanescentes acima de 3 ha. Neste estudo, para termos um exame mais detalhado, avaliamos fragmentos de vegetação nativa e áreas naturais acima de 1 ha.
O rompimento da barragem afetou um total de 679 km de rios, sendo 114 km entre a barragem até a usina de Candonga – 12 km do Rio Doce, 28 km do Rio Carmo, 69 km do Rio Gualaxo do Norte, 3 km do córrego Santarém e 2 km do afluente do córrego Santarém –, área analisada pelo estudo, e mais 564 km do rio Doce desde a usina até a sua foz, em Linhares, no Espírito Santos. Agora, uma equipe da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, em parceria com outras organizações e também parceiros locais, está em expedição pelo rio Doce para coletar sedimentos para análises e monitorar a qualidade da água impactada pela lama e rejeitos de minérios. Em breve, divulgaremos dados e um relato da expedição.
Para além da vegetação que desapareceu e as áreas que foram encobertas pela lama, nos preocupa todo o desequilíbrio ambiental derivado dessa tragédia. A biodiversidade regional, os recursos naturais e os serviços ambientais de toda essa região estão comprometidos, um dano incalculável para o bioma Mata Atlântica, nosso Patrimônio Nacional.
Por fim, esse rastro de degradação reflete também as trágicas consequências do desmonte gradativo da legislação ambiental brasileira e da sua não aplicação. Precisamos, portanto, mobilizar governos e sociedade a empregar esforços para o aprimoramento das políticas ambientais, a proteção das florestas nativas, a recuperação dos ambientes degradados e o aperfeiçoamento de mecanismos de controle de atividades empresariais com grandes impactos ao meio ambiente. É urgente e uma ação preventiva para evitar que mais tragédias aconteçam.
Época.com
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