sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Segundo climatologista, "O Brasil não está preparado para se adaptar ao antropoceno"

 
Segundo um dos principais cientistas do Brasil, o planeta já entrou em uma nova época, o antropoceno, graças à interferência humana na Terra.
 
 O pesquisador Carlos Afonso Nobre, presidente da Capes, a  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior  (Foto: Divulgação)
O pesquisador Carlos Afonso Nobre, presidente da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Foto: Divulgação)
 
Nunca, em toda a história da vida na Terra, uma espécie alterou tanto o planeta, e em uma escala tão rápida, quanto a humanidade. Mudamos os cursos de rios, alteramos a composição química da atmosfera e dos oceanos, domesticamos plantas e animais a ponto de sermos considerados uma "força tectônica" no planeta. Esse impacto é tão forte que alguns cientistas estão propondo mudar a época geológica – deixaríamos o holoceno, que começou com o fim da era do gelo, e passaríamos ao antropoceno, a época dominada pelo homem. O climatologista Carlos Nobre, presidente da Capes, é o único brasileiro a integrar o grupo de trabalho internacional que avalia se devemos formalizar a época do antropoceno. Em entrevista por email, Nobre disse que o Brasil não está preparado para os impactos que virão.
ÉPOCA - Como nós podemos caracterizar o antropoceno? Será, ou é, uma era de extremos?
Carlos Nobre -
Caracteriza-se pelo efeito global sobre o planeta de uma espécie, o Homo sapiens, e pela velocidade das transformações do planeta pelas ações humanas. Nunca antes, durante toda a longa presença da vida na Terra, estimados em 3,6 bilhões de anos, uma espécie conseguiu alterar o ambiente globalmente numa escala de séculos. São esses aspectos que estão fazendo muitos geólogos propor que já adentramos uma nova época geológica – nomeado como antropoceno pelo professor Paul Crutzen –, em que sinais das transformações já se materializaram nos sedimentos geológicos. O antropoceno não se caracteriza somente por alterações climáticas provocadas por emissões humanas de gases de efeito estufa, ainda que o registro geológico, por exemplo das geleiras, já mostrem claramente o aumento das concentrações de gás carbônico e metano, entre outros gases aprisionados no gelo. Há mudanças globais em biodiversidade, nos ciclos biogeoquímicos de nitrogênio e fósforo, na supressão de transportes de sedimentos fluviais devido ao represamento da maior parte dos rios, na alteração da cobertura de vegetação. Ainda assim, sim, o aquecimento global está trazendo no seu bojo o aumento da frequência de fenômenos hidrometeorógicos e climáticos extremos e isto é um dos sintomas do antropoceno.

ÉPOCA - É possível se adaptar às condições do antropoceno? O que países, governos, precisam fazer em adaptação?
Nobre -
Buscar adaptação é inevitável e urgente, pois algumas mudanças ocorrendo no antropoceno já se tornaram irreversíveis em escalas de tempo de séculos a milênio – por exemplo, o aumento do nível do mar. Porém, é essencial ter clareza sobre os limites absolutos à adaptação. Dois exemplos. Com 3ºC de elevação da temperatura global, há bastante certeza científica de que as geleiras da Groelândia e da Antártica Ocidental derreterão total ou parcialmente. Isso elevará o nível do mar em de 7 a 10 metros. Há grande incerteza sobre as escalas de tempo em que isso poderá ocorrer, entre 200 anos e um milênio. Na maior parte das cidades costeiras, não haveria como adaptá-las para elevações do mar tão grandes. Portanto, a maior parte das cidades costeiras do mundo deixaria de existir como as conhecemos. O segundo exemplo é tão ou mais preocupante. Trata-se do limite absoluto de humanos de intolerância fisiológica à estresse de calor. Com umidade de 100%, o corpo humano não resiste mais do que 6 horas a temperaturas acima de 35ºC, num estado chamado hipertermia. Esta temperatura é chamada de temperatura de bulbo úmido. Hoje, em muitas partes do mundo, estas temperaturas de bulbo úmido chegam a 31ºC. Numa situação extrema de aumento da temperatura global entre 8ºC e 10ºC devido ao aquecimento global, em várias partes do planeta, a temperatura de bulbo úmido ultrapassaria 35ºC, tornando a vida ao ar livre impossível.
Como via de regra, países desenvolvidos têm avançado na agenda da adaptação, seja através do aumento do conhecimento sobre o impacto das mudanças climáticas, seja igualmente na implementação de políticas públicas ativas de adaptação. Países em desenvolvimento estão mais atrasados na agenda da adaptação e colocam mais peso político na redução do risco via esforço global de redução de emissões. Ainda que no discurso retórico buscam-se mecanismos para países ricos ajudarem os países mais pobres em estratégias e custos de adaptação, na prática isto não tem ocorrido.
ÉPOCA - Qual é o cenário do Brasil no antropoceno? Estamos preparados para as mudanças que ocorrerão no mundo?
Nobre -
O Brasil é país de média vulnerabilidade às mudanças ocorrendo ou projetadas no antropoceno. Entretanto, na questão da biodiversidade, os riscos são enormes em função da intrincada interação das espécies. O assunto destas mudanças encontra ressonância na população brasileira, o que faz avançar a discussão sobre políticas públicas e apoia as arrojadas posições brasileiras com respeito à redução das emissões. Entretanto, não estamos preparados para responder às mudanças projetadas, o que diminuirá a resiliência social, econômica e ambiental.
ÉPOCA - Por muito tempo, a sociedade discutiu os impactos que o homem causa no meio ambiente. Agora, com o alto grau de que as mudanças climáticas já ocorrem e são causadas pela atividade humana, não é hora de mudar o foco e pensar em soluções para os problemas ambientais?
Nobre -
No Brasil, há razoável consenso de que as ações humanas causam impactos significativos no planeta. Isso é verdade na maior parte do mundo, mas não em todos os países. Por exemplo, nos EUA ainda há um debate amplo sobre mudanças climáticas, o que tem ainda impedido ações resolutas de redução de emissões. Sem dúvida, o foco principal tem que ser em soluções, principalmente em reduzir o risco futuro através da redução das emissões urgentemente e em grande monta, no caso das mudanças climáticas.
ÉPOCA - Na opinião do senhor, quais as implicações políticas caso a comunidade científica formalize a mudança de época para o antropoceno? Será uma forma de ampliar a pressão para que governos tomem ações na área do clima?
Nobre -
Será um grande marco filosófico para a humanidade e o reconhecimento de que somos uma "força tectônica" no planeta. Num sentido diverso, terá um impacto semelhante ao de grandes outros marcos recentes da humanidade, como a descoberta da força destruidora da bomba atômica ou o homem na Lua.
Época.com
 

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