Num bosque que sobrevive em meio às encostas desmatadas corre um riacho. Coisa pequena, nem nome oficial tem. Mas se tornou joia na terra devastada pelo maior desastre ambiental do Brasil. Com águas transparentes, ele é um instante de natureza a menos de cinco quilômetros do arruinado distrito de Bento Rodrigues, em Mariana. Voluntários que ajudam pessoas afetadas gostariam que se chamasse Esperança. Pois é nos rios limpos como ele que especialistas depositam as esperanças de recuperar a Bacia do Doce.
Ela não está morta. Mas precisa de sangue novo, da água dos afluentes não afetados. Não basta deixar jorrar. É preciso proteger, desassorear e monitorar rios como o Piranga, o Gualaxo do Sul e o Santo Antônio, afluentes estratégicos para a salvação do Rio Doce devido à qualidade das águas e da biodiversidade. O trabalho já era necessário antes de 5 de novembro. Agora é vital.
O córrego da esperança, no distrito de Santa Rita Durão, deságua perto do lugar onde foi encontrado o corpo de uma das vítimas da tragédia. Como elas, também desaparece sob a lama de rejeitos. Despeja a água limpa no morto Gualaxo do Norte, o rio mais atingido pela tsunami da Samarco.
O Gualaxo do Norte consegue fácil a classificação de rio mais destruído do Brasil. Seu leito é lama de rejeitos. Não há vida. A cor é o ocre da oxidação do minério de ferro. As pedras ejetadas pela barragem se misturam a metais pesados e agrotóxicos.
— Ele já tinha todo tipo de poluição por mineração e agricultura antes do desastre. E não tem mais vida — explica o consultor ambiental Fábio Vieira, autor de numerosos trabalhos sobre a Bacia do Rio Doce, inclusive do guia de peixes da região.
Vieira diz que no Gualaxo do Norte a destruição é de 100%. A tsunami revirou um rio que já acumulava metais pesados como chumbo, arsênio, manganês e mercúrio, de muitos anos de mineração de ouro.
— Ele foi o primeiro a ser atingido e será o último a ser recuperado — destaca.
O Gualaxo do Norte despeja seu fardo no Carmo, que ao se juntar ao Piranga forma o Doce. Segundo Vieira, o Rio Doce precisa de remédios diferentes ao longo dos cerca de 800 quilômetros até o mar. A zona crítica vai do local do rompimento da Barragem de Fundão, na região acima de Bento Rodrigues, até a represa de Candonga, que reteve boa parte dos rejeitos. Ao longo de cerca de 100 quilômetros, a lama serpenteia os fundos de vales. Lá, córregos como o riacho sem nome de Santa Rita Durão continuarão a despejar suas águas limpas em vão por muito tempo.
Do Gualaxo do Norte a Candonga está o horror. Essa área é crítica para intervenção direta — frisa Vieira.
Eduardo Figueiredo, do Comitê da Bacia do Rio Doce, concorda.
— Candonga é um marco divisor. Nessa região é preciso intervenção intensa, retirar a lama, recuperar leito e margens de rios — afirma Figueiredo.
Uma análise do comitê da Bacia do Rio Doce antes do desastre já havia mapeado dez áreas críticas para a recuperação do Doce, diz Figueiredo:
— Nos últimos três anos, o Doce teve recordes seguidos de escassez hídrica. Já havia gravíssimo assoreamento. A situação era péssima. Some a isso o desastre e veja o tamanho do desafio para a recuperação.
receita para isso não mudou. Mudaram a urgência e o tamanho do problema.
— É necessário proteger e recuperar nascentes, conter a erosão — acrescenta.
A dinâmica do desastre ainda está em curso, observa Marcos Freitas, coordenador geral do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais:
Teremos que ver como os rejeitos se distribuirão pelos rios. O problema precisa de intervenção agora e de planos de médio e longo prazo.
Jornal O Globo.com
Jornal O Globo.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário