As mudanças climáticas estão intimamente ligadas à desigualdade econômica. De saída, a relação pode parecer pouco clara, mas, ao ligar os pontos, ela ganha lucidez.
Historicamente, a crise climática foi majoritariamente impulsionada pelas emissões de gases efeito estufa (GEE) dos países mais ricos, mas, atualmente, ela afeta com mais força as 3,5 bilhões de pessoas mais desprovidas e vulneráveis do globo.
Apesar de ser a mais ameaçada pelas tempestades, secas e outros eventos catastróficos, a metade mais pobre da população mundial é responsável por apenas 10 por cento das emissões de carbono, ao passo que os 10% mais ricos produzem nada menos do que metade das emissões mundiais.
Os dados são de um novo relatório da Oxfam, divulgado nesta quarta-feira durante a COP 21, a mais importante reunião da ONU sobre clima, que acontece em Paris.
Segundo o estudo, a busca pela redução de custos na produção tem levado a um grave desequilíbrio na balança de responsabilidade pela emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, o gás efeito estufa vilão do aquecimento global.
O relatório destaca que as emissões de gases efeito estufa estão sendo terceirizadas pelos países ricos para os emergentes. Seguindo esta linha de raciocínio, se a China é, hoje, um grande poluidor, isso não se justifica, apenas, por seus padrões de consumo e produção internos.
É preciso considerar que as usinas de energia daquele país e de outras economias emergentes, como a Índia, estão queimando combustível - carvão, majoritariamente - para produzir bens para os consumidores norte-americanos, europeus e outras economias.
De acordo com a Oxfam, essa terceirização de produção não alivia a responsabilidade dos países ricos em relação aos impactos ambientais de seus hábitos de consumo.
É verdade que as emissões estão aumentando mais rapidamente nos países em desenvolvimento (a China e a Índia são, hoje, o segundo e o terceiro maiores emissores de GEE no mundo), mas o que a pesquisa mostra é que grande parte deste incremento é reflexo da produção de bens consumidos em outros países.
Ou seja: as emissões associadas ao estilo de vida da grande maioria dos seus cidadãos ainda são muito menores do que suas contrapartes nos países desenvolvidos.
Para se ter uma ideia, os 10% mais ricos da Índia consomem, em média, só um quarto do carbono utilizado pela metade mais pobre da população dos Estados Unidos, e as emissões totais dos 600 milhões mais pobres da China representam só um terço das emissões totais dos 10% mais ricos dos EUA, cerca de 30 milhões de pessoas.
Com isso, chegamos a um dos conceitos mais centrais das negociações da COP21: o de justiça climática.
A maioria dos líderes mundiais reunidos em Paris concordam com o objetivo de limitar o aquecimento global a uma alta de 2ºC até 2100, a fim de se evitar os piores efeitos dos eventos climáticos. Mas há uma sérisérie de divergências sobre quem deve arcar com as "despesas e o fardo de reduzir as emissões".
Os países ricos dizem que todo o mundo tem a responsabilidade de reduzir, a fim de garantir o cumprimento de futuras metas de mitigação.
Por sua vez, as nações mais pobres argumentam que o encargo deve ficar com os países desenvolvidos, uma vez que foram eles os que por mais tempo se beneficiaram do crescimento econômico baseado nas fontes fósseis. É nessa queda de braço que as reuniões da ONU costumam se desenrolar, ano após ano.
Mas é preciso desatar esse nó. Afinal, quando se passa em revista a sequência de crises multidimensionais que o planeta enfrenta - a econômica, financeira, climática, de segurança alimentar e política - fica difícil ignorar a necessidade de mudança.
Como sugere o responsável por políticas climáticas da Oxfam, Tim Gore: "Paris precisa marcar o início da formulação de uma economia mais humana para todos, não só para os mais ricos e mais poluidores, mas também para as pessoas mais pobres, que são as menos responsáveis pela mudança climática e as mais vulneráveis a ela."
Exame.com
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