quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

O que o Brasil ganha se ajudar o clima

Criança abraça um globo durante uma das manifestações pelo clima em Paris. A conferência COP 21 na cidade tenta estabelecer metas obrigatórias de redução nas emissões poluentes dos países (Foto: Alessandro Bianchi/REUTERS)
Os países debatem em Paris como dividir a conta de combater o aquecimento global. O Brasil pode dar sua contribuição e obter vários benefícios colaterais.
 
Representantes de 195 países entram em fase decisiva para fechar um acordo que evite os malefícios do aquecimento global. As mudanças climáticas já estão em curso. São causadas pela emissão de gases como os da queima de derivados de petróleo e do desmatamento. Segundo os cientistas, podem gerar várias consequências, como agravamento de enchentes e secas, elevação do nível do mar e degeneração da vida nos oceanos. O difícil é o consenso de qual deve ser a contribuição de cada país na redução das emissões.
Há motivos para acreditar que o Brasil não deveria esperar o desenrolar desse debate para assumir uma postura protagonista no clima. Primeiro, porque o Brasil já é um campeão climático. Nossa matriz energética é muito mais limpa que a dos outros países industrializados, graças às hidrelétricas. Segundo, porque boa parte das ações necessárias para reduzir nossas emissões faria sentido econômico ou social, independentemente do clima. Essas ações  (leia uma lista delas a seguir, na cidade e no campo) colocariam o país como um exemplo internacional e nos tornariam mais competitivos num cenário em que a baixa emissão de cada um fosse determinante para atrair investimentos ou abrir mercados de exportação. Tais medidas também seriam  boas para transformar o Brasil em um país moderno, rico e limpo.
 
NAS CIDADES
Investir em transportes públicos – Ficar parado no trânsito é ruim para a economia, para o clima e para as pessoas. Em São Paulo, o paulistano perde em média 2h46 no trânsito para fazer todos os seus deslocamentos diários, segundo o Movimento Nossa São Paulo. O veículo individual, responsável por apenas 27% do total de viagens, responde por 60% dos poluentes. Segundo o médico Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo (USP), esses gases tóxicos e a fuligem do escapamento dos veículos matam 4.600 pessoas por ano na cidade de São Paulo.  A solução para a mobilidade passa pela melhora do transporte coletivo. Aumentar a cobertura de metrô e veículos leves sobre trilhos, os VLTs, fará com que nosso transporte polua menos e, ao mesmo tempo, atenda mais pessoas. Combinar o transporte metropolitano com faixas exclusivas para ônibus e ciclovias torna a cidade mais habitável, reduz o tempo de deslocamento e, consequentemente, o estresse. O transporte coletivo pode ser suplementado com uma oferta de carros de aluguel.
 
O VLT, o bonde moderno no Rio de Janeiro. Quando inaugurado, deverá atender 300 mil pessoas e reduzir em 40% o tempo de viagem (Foto: Fábio Guimarães/Extra/Ag O Globo)
O VLT, o bonde moderno no Rio de Janeiro
 
Incentivar o trabalho em casa – As cidades estão migrando de uma economia industrial para uma baseada em serviços. Isso permitirá flexibilizar horários e rotinas. Para muitas funções profissionais, basta um computador ligado na internet e uma linha telefônica. Por que não trabalhar em casa? O home office reduz os custos para o empregador, e o empregado ganha em melhoria de vida. Mais tempo ao lado da família, menos tempo perdido no trânsito.
Aumentar a arborização urbana – Plantar árvores é uma ideia simples e eficiente para tirar o excesso de carbono da atmosfera. O asfalto, o concreto, os telhados dos edifícios fazem com que as áreas urbanas esquentem. São as ilhas de calor. As árvores criam sombra e reduzem o efeito da radiação solar. Reduzem de 1 a 5 graus a temperatura na rua. Outro efeito importante é na manutenção de parques naturais em áreas urbanas, que melhoram a vida do cidadão.
Criar sistemas inteligentes de energia – Tradicionalmente, o sistema de energia é centralizado. Uma usina produz a eletricidade e ela é transmitida para os consumidores. Isso cria alguns problemas. Em um país grande como o Brasil, muita energia se perde no meio do caminho, nas linhas de transmissão. Além disso, falhas em uma usina podem provocar um apagão, como aconteceu em janeiro deste ano, quando uma restrição nas linhas de transmissão no Norte deixou 11 Estados sem luz. A energia do futuro será descentralizada. Em 2012, a Agência Nacional de Energia Elétrica editou uma resolução permitindo que pessoas instalem painéis fotovoltaicos em suas casas e liguem esses painéis na rede da distribuidora de energia. Na prática, cada casa, cada telhado pode se tornar um produtor de energia de dia, quando o sol está brilhando, e a noite consumir a energia produzida na forma tradicional. O Brasil tem hoje apenas 25 megawatts de potência instalada de energia solar. Segundo a EPE, o país tem o potencial de chegar a 118 mil megawatts só com a microgeração – os painéis solares instalados nos telhados, sem considerar usinas centralizadas. Isso representa toda a energia que é produzida no Brasil por ano. A rede inteligente reduz o custo de energia, da distribuição e gera mais segurança em casos de apagões. Cidadãos que produzirem mais energia do que consomem podem compensar e, em alguns países, até ganhar dinheiro vendendo energia.
 
NO CAMPO
Investir em ferrovias – O Brasil é um país dependente demais das estradas para o transporte de mercadorias. Os Estados Unidos, o país do automóvel, transportam 32% da carga por caminhões. O Brasil, 65%. Tal cultura, além de aumentar o trânsito nas estradas, o número de acidentes e de vítimas, também eleva o custo dos produtos. E nos leva a queimar diesel, um combustível fóssil que contribui para o aquecimento global. Um estudo da empresa de logística VLI mostra que trocar caminhões por trens reduz 38% das emissões. Um levantamento feito pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e pela América Latina Logística diz que transportar carga por ferrovia custa metade do que por rodovia, incluindo os custos de construção e manutenção. O resultado seriam exportações mais competitivas para o país e menores custos para o consumidor.
Aumentar a eficiência na pecuária – Cerca de 59% da área desmatada no Brasil foi aberta para pecuária. Ela é mal usada. A média na Amazônia é de 0,7 boi por hectare. Com boas técnicas, é possível quatro vezes mais eficiência, reduzindo a necessidade de novos desmatamentos. Além disso, é preciso reaproveitar as terras abandonadas. Elas foram abertas para a pecuária na base do fogo e depois largadas quando perderam a produtividade com o solo calcinado. Na Amazônia, essa terra abandonada soma a área dos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Um plano da Embrapa prevê a recuperação de pastagens degradadas, integração de lavoura com pecuária e floresta e outras técnicas para produzir mais alimentos e causar menos danos ao ambiente.
Parar de desmatar – O desmatamento é a maior fonte de emissões do Brasil. Acabar com ele tem muitos benefícios. A agricultura com menos desmatamento protege o solo e os recursos hídricos – e a água que vai irrigar a produção sai das florestas. As metas de desmatamento do Brasil são principalmente voltadas para a Amazônia, enquanto a proteção do Cerrado passa despercebida. A perda do Cerrado, no entanto, pode provocar um prejuízo científico e financeiro para o Brasil. “O Cerrado tem uma riqueza enorme de plantas. Se perdermos isso, abriremos mão de ativos para biofármacos no Brasil”, diz Rodrigo Freire, da TNC. Como diz o cientista Carlos Rittl, do Observatório do Clima, “o maior efeito colateral de reduzir as emissões é ter um país melhor para viver”.
Época.com

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