sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

O aquecimento global pode aumentar o número de raios no Brasil?

Fotógrafo captou momento em que o raio atingiu a mão do Cristo Redentor, dia 16 de janeiro, no Rio de Janeiro (Foto: EFE/ Antonio Lacerda)
O Cristo Redentor é atingido por cerca de 6 raios todos os anos (Foto: EFE/ Antonio Lacerda)
 
O Brasil, maior país da zona tropical do mundo, é campeão em incidência de raios. Aqui caem cerca de 50 milhões de descargas elétricas todos os anos. Só o Cristo Redentor recebe uma média de 6 raios anuais. A pergunta fica quase inevitável: as mudanças climáticas vão alterar o número de raios no Brasil? Será que sofreremos mais com as descargas elétricas no futuro?  Os estudos indicam que sim, mas que o aumento não deve ocorrer homogeneamente. Com o aquecimento do planeta, tende a aumentar a quantidade de vapor presente na atmosfera. E esse vapor é o ‘combustível’ dos raios, apontando que eles também devem ficar mais frequentes. Mas o quanto ainda é muito incerto. “Alguns centros calculam um aumento de 5% na quantidade de raios para cada grau de aquecimento, outros projetam 50%. Essa variação mostra a falta de conhecimento detalhado de como será a atmosfera do planeta com o aumento da temperatura”, diz Osmar Pinto Junior, pesquisador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (ELAT) do INPE.
O aumento das tempestades e das descargas elétricas também não deve ser igual para todos os lugares. Enquanto algumas regiões do globo terão mais raios, outras terão menos. E o mesmo raciocínio se aplica ao Brasil, que também tem significativas diferenças regionais por causa de seu tamanho. Baseando-se em estudos já existentes, o especialista do ELAT afirma que a tendência é que o aumento seja acentuado na região amazônica (que já é a campeã nacional em incidência de raios) e mais sutil no sul do Brasil. Nas outras regiões, não deve haver grandes alterações.
No entanto, o metereologista e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, Carlos Augusto Morales, atenta para o fato de que o Brasil só monitora seus raios há 15 anos, o que dificulta uma análise histórica do fenômeno, que só seria confiável, segundo ele, após 50 ou 70 anos de coleta. “Tudo depende de como olhamos para os dados. Temos mais tempestades registradas das décadas de 50 para cá, mas isso é porque elas ficaram mais frequentes ou porque aumentou o número de observações?”, questiona Morales. O professor afirma que são muitas variáveis em jogo, e que, por isso, fica dificil atribuir somente às mudanças climáticas o aumento de raios. “Quando há aquecimento, aumenta o potencial da atmosfera de produzir raios - que são uma combinação de temperatura e umidade. Se você consegue aumentar a umidade na mesma proporção da temperatura, com certeza há um aumento do número de descargas elétricas. O que sabemos é que as tempestades elétricas têm volume de chuva muito superior às tempestades ordinárias (sem raios)”, diz Morales.
O pesquisador Osmar Pinto Junior concorda que a série histórica de 15 anos é insuficiente para uma análise geral mais aprofundada, mas afirma ser possível extrair tendências confiáveis desses números. “Se, nesses 15 anos, não percebemos aumento significativo na incidência de raios, isso não necessariamente significa que o aumento não existe. Pode ser que haja uma tendência ainda muito pequena e não conseguimos captar”, diz.
 
Centros urbanos
Nesse caso, os dados já podem estar indicando um caminho. Como explica Osmar Pinto Junior, a tendência de aumento de raios em cidades com mais de 500 mil habitantes é clara. E isso acontece porque, além do aquecimento global, as grandes cidades vivem também os fenômenos típícos da urbanização, como as ilhas de calor.  “O futuro tem grandes cidades vivendo com grandes raios. Não só raios como chuvas muito fortes e alagamentos”, afirma o pesquisador do ELAT. Segundo ele, é possível afirmar que o aumento da incidência de raios deve se intensificar nessas cidades, já que o processo de urbanização também deve crescer. Devem aumentar a intensidade das tempestades e a incidência das descargas. Atualmente, elas já causam um prejuízo superior a 1 bilhão de reais no Brasil, sendo 60% dos danos causados no setor elétrico. “Já vemos tempestades diferentes de 10 anos atrás”, afirma Osmar. “São Paulo já cruzou a taxa de 3 mil raios por dia, o Rio de Janeiro de 2 mil, e cidades como São José dos Campos e Ubatuba registraram mais de mil raios em um único evento”.
 
Raios causam aquecimento global?
A incidência de raios pode ser consequência de mudanças climáticas, mas as descargas também podem ser tratadas como causadoras dessas mesmas mudanças. Basicamente, são duas as possibilidades dos raios influenciarem o processo do aquecimento global: incêndios e mudanças químicas na atmosfera. Em regiões de menor umidade, como a California (EUA) e Canadá, os raios causam incêndios florestais de grandes proporções. Além disso, as descargas elétricas mudam a composição química da atmosfera a seu redor, podendo causar o efeito estufa. Com mais raios, maior seria esse efeito. “Mas nós ainda não temos nenhuma medida da importância desse processo para o aquecimento global”, diz Osmar Pinto Jr.
Época.com

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